5 de maio de 2017

«MÃE, OS BÁRBAROS ESTÃO À NOSSA PORTA…»

Participantes no Simpósio de Limone 2017 @ APinto

Um grito ressoado muitas vezes através dos séculos na nossa Europa. Chegavam em vagas de terras distantes e selvagens. Chegavam saqueando, apropriando-se de bens e direitos conquistados com esforço e suor noutros tempos e por outras gerações. Falavam línguas desconhecidas, dialectos, vestiam de maneira diferente, rodeados de costumes e odores estrangeiros. Alguns regressavam depois aos lugares de proveniência, graças a Deus, mas outros tinham o atrevimento de querer ficar e viver nas nossas terras, entre nós, connosco, aproveitando-se de nós. Inconcebível! Se voltassem para as suas casas e nos deixassem em paz, de uma vez por todas! Defender-nos-emos deles com todos os meios, não queremos perder ou arriscar o nosso mundo, os nossos bens, a nossa cultura, a nossa igreja, o nosso estilo de vida.

Nos dias passados em Limone reflectindo sobre Migração e missão: uma nova Europa: de migrantes a cidadãos, apercebemo-nos de que, no final de contas, muitos – também hoje, mesmo entre os bons cristãos que encontramos nas nossas igrejas, mesmo no seio do nosso próprio mundo missionário – se identificam com quanto acima está descrito. Idênticos sentimentos, medos, intolerâncias, cansaços, rejeição. Está bem ajudar, partilhar, acolher, mas quando é de mais, é demais.

Também pessoas de envergadura, como S. Agostinho, olharam para as migrações do seu tempo com um sentido de grande receio e rejeição. Mas Agostinho intuirá, ainda antes e mais do que os seus contemporâneos, que as migrações dos povos dentro das fronteiras do Império Romano – migrações que desembocarão na conquista e no saque de Roma em 410 AD – não eram factos acidentais mas um acontecimento epocal, que perturbava o mundo romano desde os fundamentos e inaugurava uma nova era da qual não se podia ainda entrever os contornos mas que era também guiada pela mão providente de Deus.

Foi esta intuição de fundo que nos acompanhou nos trabalhos do Simpósio. As migrações são um facto estrutural, não uma passagem temporária. São um desafio mas também um recurso; não são só uma necessidade e uma urgência, mas são também um convite a ir além das fronteiras e das representações humanas, sociológicas, «cristãs», eclesiais e missionárias que até agora caracterizaram a Europa. Para além dos muros de defesa da «fortaleza Europa».

Os migrantes e as migrações representam um tempo de «crise» em toda a linha e, como em cada crise, mesmo se atormentada e sofrida, abrem-nos a um novo modo de sentir e viver, a criar espaço e contribuir para um rosto novo de sociedade e de igreja (um novo povo), aos necessários processos de reconciliação, a uma redefinição das linguagens e conteúdos antropológicos da integração.

Uma crise que nos obriga a admissões difíceis, a encarar mais o imigrado como um sujeito protagonista e como um dom, a maturar espiritualidade de fronteira, das margens, a empreender caminhos de conversão e diálogo. Mover-nos de uma óptica de caridade a critérios de justiça; de igrejas de rosto monoétnico a igrejas verdadeiramente católicas; do defender com unhas e dentes os nossos direitos adquiridos a uma maior partilha e acolhimento, para descobrir que se pode viver com menos sem viver pior, antes, chegar a um bem-viver.

Nós, o mundo da missão, mais uma vez nos sentimos chamados a fazer ponte, a tornar as diferenças espaços de encontro e de recíproca transformação. Começando por pôr em discussão o nosso estilo actual de vida, os nossos modelos socioculturais e económicos em modos mais radicais e abertos de quanto o têm sido até agora. Limone encorajou-nos nestes caminhos e conscientizações. Queremos partilhá-los com todos vós, em simplicidade e fraternidade.
Missionárias e missionários combonianos no Simpósio de Limone

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