17 de fevereiro de 2017

TRÊS OLHARES PARA UM JUBILEU


Na Carta por ocasião do 150.º aniversário do Instituto Comboniano o Conselho Geral (CG) propõe-nos três olhares:
  1. Um olhar sobre o passado: recordando os primeiros passos;
  2. Um olhar realista sobre o presente: chamados a testemunhar o Reino de Deus;
  3. Um olhar de esperança para o futuro.
Três formas do verbo olhar que nos dão uma panorâmica geral do Instituto que nasceu qual um grão de mostarda, cresceu e hoje abriga nos seus ramos (Mt 13, 31-32) pessoas mais que pássaros.


1. Recordando os primeiros passos: um olhar sobre o passado

1. Comboni foi pai à força: o Plano para a Regeneração da África previa o concerto das forças eclesiais em favor da África Central. Só os Camilianos e as Irmãs francesas de São José da Aparição e alguns leigos aderiram a essa sinergia.

O Cardeal Barnabó foi taxativo: «Meu caro Comboni, de duas uma: ou me garantes por escrito que vais viver por mais 35 anos, ou me estabeleces solidamente esse colégio de Verona, de modo que dê bons missionários para a África. Tanto num como noutro caso, tens possibilidade de desenvolver uma grande actividade missionária na África Central. Porém, se não me não organizas e pões em andamento o colégio de Verona ou se te acontece algum acidente que te leve para o outro mundo, talvez a tua bela obra acabe por se desfazer em fumo!» (E 2568).

2. Nigrícia: o organismo fundado a 1 de junho de 1867 em Verona chamava-se Instituto para as Missões da Nigrícia. A 1 de janeiro de 1872 funda o Instituto das Pias Madres da Nigrícia.

Comboni usa Nigrícia em vez de África: mais que uma geografia é uma antropologia – «os povos mais abandonados e infelizes do universo» como Comboni descreve os habitantes da África interior (E 2591).

Ligar o Instituto exclusivamente à África – como queriam alguns missionários da África oriental no Capítulo de 2003 com a junção do ad nigriziam aos outros ad – é redutor da visão de Comboni. Os mais abandonados e infelizes são os destinatários do Instituto (a RV 5 fala da inseparabilidade do Instituto com a África. Eu prefiro falar da «vínculo inseparável» com os «mais necessitados e abandonados»).

Um cuidado a ter ao falou-se das situações de nigrícia como o lugar carismático dos combonianos: alguns confrades e consorores africanas levaram a mal tal linguagem: com razão.

3. Na origem do Instituto há o encontro: a vocação missionária de Comboni começa no encontro com os Mártires do Japão (via Santo Afonso Mª de Ligório) aos 15 anos; dois anos mais tarde encontra o Sudão do Sul através do P. Ângelo Vinco, missionário de Don Mazza (o Don Congo) entre os Baris de Gondokoro, à frente da Juba de hoje: «Foi em Janeiro de 1849, quando, sendo estudante de Filosofia, jurei aos pés do meu venerado superior, P. Nicolau Mazza, consagrar toda a minha vida ao apostolado da África Central – juramento a que, graças a Deus, nunca faltei nas mais variadas circunstâncias – e desde aquele momento só pensei em preparar-me para tão santa empresa. Assim, em 1857, quando estava no auge o primeiro período da missão, fui enviado com outros companheiros sacerdotes a Cartum e às estações do Nilo Branco, onde entre as mais duras provas me encontrei mais de uma vez à beira do túmulo» (E 4083).

Comboni recorda a origem da sua vocação «nigriciana» 27 anos depois no Relatório Geral sobre o Vicariato Apostólico da África Central ao cardeal Alexandre Franchi, escrito em Roma a 15 de Abril de 1876.

A 1ª experiência missionária entre os Kich ou Ciec (um subgrupo dinca) de Santa Cruz (em Yirol Este de hoje) durou apenas 11 meses (fora as viagens de ida e volta). Um fracasso que Comboni transforma numa nova visão para a evangelização da África – o Plano.

Recordamos o início da homilia de 11 de maio de 1873 em Cartum: «Estou muito contente de finalmente me encontrar de novo entre vós, depois de tantas vicissitudes penosas e de tantos ansiosos suspiros. O primeiro amor da minha juventude foi para a infeliz Nigrícia e, deixando tudo o que me era mais querido no mundo, vim, faz agora dezasseis anos, a estas terras para oferecer o meu trabalho como alívio para as suas seculares desgraças. Depois, a obediência fez-me voltar para a Europa, dada a minha enfraquecida saúde, que os miasmas do Nilo Branco em Santa Cruz e em Gondokoro tinham incapacitado para a acção apostólica. Parti para obedecer; porém, entre vós deixei o meu coração e, tendo-me recomposto como Deus quis, os meus pensamentos e os meus actos foram sempre para convosco».

Este é o primeiro olhar: «Esta sua experiência recorda-nos a importância de manter-nos fiéis a um ideal, lembrando que como os marinheiros se deixavam guiar pelas estrelas se queriam chegar ao porto, nós temos de deixar-nos guiar pelos ensinamentos do Evangelho se queremos ser pessoas coerentes e fiéis. A vocação missionária e a pertença a uma família missionária são um dom, não são mérito nosso. Somos missionários porque Deus foi bom e quis servir-se de nós para mostrar o seu rosto paterno a tantos irmãos e irmãs que ainda não o conhecem», escreve o CG.


2. Olhamos com realismo o presente: chamados a testemunhar o Reino de Deus
Quando Comboni morreu o Instituto estava muito reduzido. A mahdia deu-lhe mais uma machadada. Século e meio depois continuamos a ser um instituto pequeno e a diminuir. Vamos desanimar e deitar a toalha no chão? Acho que não. A história do Instituto empurra-nos para a frente, para a missão e não para a sobrevivência do homo combonianus!

A Síntese Temática para Discernimento preparada pela Comissão Pré-capitular dizia no n.º 92: «Esta diminuição faz-nos tomar consciência de que a reorganização do Instituto é necessária sobretudo em vista de um serviço de qualidade à missão. O desafio maior é viver esta situação não como sinal de declínio, mas como uma experiência de debilidade evangélica (kenosis) e uma chamada do Espírito para uma requalificação essencial e criativa, sob o signo da alegria».

Esta é uma visão de fé que «deve estimular-nos a ser testemunhas fiéis da bondade e da misericórdia de Deus entre os últimos, aqueles que a sociedade esqueceu» fazendo memória dos missionários, «“parábolas existenciais”, pontos de referência nas diversas actividades que desempenhamos» (DC’ 15, 14).

O que nos leva ao «versículo perdido» que fecha a evocação de Elias no livro de Ben Sira: «Felizes os que te viram e os que morreram no amor; pois, nós também viveremos certamente» (48, 11).

É fundamental fazer memória dessas «parábolas existenciais»: os processos de beatificação do P. Ezequiel Ramin e do Ir. Josué dei Cás juntamente com os dos padres Bernardo Sartori e Giuseppe Ambrosoli, do bispo Antonio Maria Roveggio e da irmã Giuseppina Scàndola (que deu a vida para salvar o P. Giuseppe Beduschi) recordam-nos que vivemos por eles.

O CG desafia-nos a «a ser testemunhas do Reino de Deus onde quer que somos mandados. Por isso é necessário ser sempre fiéis à Palavra e seguir um programa sério de uma renovação contínua no nosso caminho de discipulado» baseado na conversão – metanóia (ir além da mente, da razão até ao coração de Deus). Um convite à conversão que está sempre connosco! Não somos obra-prima acabada, somos peças em construção. Sempre!

As cruzes – o viveiro das obras de Deus – são os sinais de Deus ao longo do caminho: «Eu sou feliz na cruz, que levada de boa vontade por amor de Deus gera o triunfo e a vida eterna» (E 7246). Isto não é uma visão pietista das dificuldades, mas uma mística missionária muito forte.

As dificuldades – e a falta de trabalhadores – levaram Comboni a descobrir a força da intercongregacionalidade, a necessidade de trabalhar em rede como resposta à mentalidade fradesca… Este é outro caminho indicado pelo Capítulo (DC ’15, 46.5).


3. Olhamos para o futuro com esperança

«Coragem para o presente e sobretudo para o futuro!». O desafio de Comboni no leito de morte é-o hoje no leito da vida eterna!

Mudança precisa-se – passar do fazer missão ao ser missão: «Devemos “tornar-nos missão” anunciando a alegria do Evangelho em solidariedade com os povos, fazendo-nos promotores de reconciliação e de diálogo, redescobrindo a espiritualidade das relações a nível pessoal, institucional, social e ambiental (DC ’15, n.º 20)».

Este é um roteiro missionário exigente: tornar-se missão é alegria, solidariedade, promoção de diálogo e reconciliação através da mística do encontro com Deus, com as pessoas, com a natureza e connosco próprios…

Vivemos em tempos de grande recessão e depressão vocacional. Temos duas alternativas: recitar o Nunc demittis e reclinar-nos placidamente no leito da morte ou continuar a viver a nossa vocação de discípulos missionários combonianos chamados a viver a alegria do Evangelho no Portugal de hoje segunda as forças e as capacidades de cada um. A idade média dos missionários combonianos em Portugal é de 67,74 anos...

Comboni descreveu o Instituto como opus dei (obra de Deus)  muito antes de o P. Josemaría Escrivá de Balaguer se apossar do termo: «Creio que é obra de Deus e que nela está verdadeiramente a mão de Deus» (E 1567)! Mais tarde acrescenta: «A nossa santa obra é obra de Deus, embora se realize entre aflições, angústias e espinhos. Os caminhos da divina Providência são surpreendentes, mas salutares, sobretudo quando se trata da salvação das almas e do chamamento à fé» (E 5308). Deixemos que Deus faça a sua parte. Nós temos que fazer a nossa: «Ai de mim se eu não evangelizar» (1Cor 9, 16)!

O desafio definitivo: viver o ano jubilar «como uma oportunidade para aprofundar e estender as nossas raízes, revigorar o nosso tronco e continuar a ser uma árvore que dá bons frutos, frutos de justiça, de paz e de caridade, para contribuir para o crescimento do Reino de Deus» (Carta do CG).

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