30 de janeiro de 2016

DONA LURDINHAS

O SMS, curto mas certeiro. Atingiu-me no coração como um soco no estômago: «Olá. Faleceu a Lurdinhas do Pinheiro. Beijinhos.»

Caminhando pela rua, fui fazendo memória da bênção que a dona Lurdinhas foi para mim, o que ela representa na minha história pessoal.

Foi a minha professora da sexta classe. Deu-me muita confiança e coragem!

Às vezes convidava-me a liderar a oração do meio-dia ou a escrever os problemas para casa no quadro negro. Eu ficava com o livro com os resultados! Um grupo de alunos juntámos-nos muitas vezes para resolver os problemas e chegarem ao resultado da solução!

Acima de tudo, foi a Dona Lurdinhas que me pôs em contacto com o missionário comboniano que visitou a Escola Primária de Cinfães em 1972.

O P. Arnaldo Baritusio encontrou-se só com os alunos da quarta para lhes falar de Comboni, dos combonianos e das missões. Eu andava na sexta. A Dona Lurdinhas sabia do meu desejo de ser missionário e apresentou-me ao P. Arnaldo. Fiz o estágio em VN Famalicão nesse mesmo verão e … aqui estou!

Devo à Dona Lurdinhas um reconhecimento muito grande pela sua amizade e pela sua oração. Acompanhou-me sempre. Quando nos encontrávamos, interessava-se pelo que eu fazia, gostava de ouvir as minhas hstórias. Falava dos seus alunos preferidos: o Amílcar, o Álvaro, a Luísa, eu... Às vezes até parecia que se sentia culpada pela minha forma de vida… Achava que eu sofria muito por andar sempre longe. Mas eu sossegava-a: não sou um mártir mas um homem feliz!

Infelizmente, por conjuntura de agenda não vou estar fisicamente presente do derradeiro adeus. Mas hoje já rezei o terço por ela e amanhã ofereço a Eucaristia.

A Dona Lurdinhas está no abraço terno e eterno de Deus a interceder por nós. É uma santa!

NOVO BISPO COMBONIANO


O Papa Francisco nomeou o comboniano espanhol Padre Miguel Ángel Ayuso Guixot bispo titular de Luperciana na sexta-feira, anunciou o Vaticano.

Dom Miguel Ángel nasceu em Sevilha e tem 63 anos. Foi ordenado padre em 1980 e fez serviço missionário no Egito e no Sudão até 2002.

Tem uma licenciatura em Estudos Árabes e Islamística pelo Pontifício Instituto de Estudos Árabes e Islamística (PISAI) de Roma e um doutoramento em teologia dogmática pela Universidade de Granada.

Ensinou Islamologia desde 1989 em Cartum, Cairo e no PISAI (Roma) que dirigiu até 2012.

Presidiu a vários encontros de diálogo interreligioso no Egito, Sudão, Quénia, Etiópia e Moçambique.

É secretário do Pontifício Conselho para o Diálogo Interreligioso desde 30 de junho de 2012 por nomeação do Papa Bento XVI.

Fala espanhol, árabe, inglês, francês e italiano.

A nomeação de Dom Miguel Ángel elevar para 21 o total de bispos combonianos: 12 italianos, quatro espanhóis e um do Sudão, Sudão do Sul, Eritreia, Brasil e México, respetivamente. Têm dioceses na África (10), América Latina (4) e Médio Oriente (1). Um trabalha no Vaticano e cinco estão jubilados.

Luperciana é uma antiga sé episcopal na Tunísia que entretanto deixou de existir. Dom João Evangelista Pimentel Lavrador foi o seu titular até ser nomeado bispo coadjutor de Angra do Heroísmo em Setembro passado.

Os bispos sem diocese (como os funcionários do Vaticano e os auxiliares das dioceses) normalmente são titulares de antigas dioceses perdidas na memória.

9 de janeiro de 2016

IDENTIDADE E MISSÃO


O Conselho Geral escolheu «Discípulos missionários combonianos ao serviço da alegria do Evangelho no mundo de hoje» como tema inspirador do XVIII Capítulo Geral depois de auscultar os superiores de circunscrição em fevereiro de 2014.

O tema – que parecia vago e genérico – revelou-se essencial porque deslinda a nossa identidade (Discípulos missionários combonianos) e missão (ao serviço da alegria do Evangelho no mundo de hoje) e tornou-se fonte de inspiração que uniu as mentes e os corações dos 67 capitulares como o atestam os Documentos Capitulares 2015 (DC’15).

Nesta curta reflexão, proponho-me «ler» os referidos documentos à luz do tema que os inspirou.

Discípulos missionários: o Papa recordou aos capitulares o essencial da sua vocação: chamados por Jesus para estar com Ele e serem enviados. Esta é a grande tensão que acompanha toda a nossa vida: somos discípulos missionários. O ponto de partida da nossa vocação é o chamamento amoroso e misericordioso do Senhor. A vocação não é uma escolha individual: «Ninguém tome esta honra para si mesmo, mas somente quem é chamado por Deus», lemos na Carta aos Hebreus (5,4). Parte do encontro pessoal – mas não privado – com o Senhor no contexto da comunidade (DC’15, 2) e dura a vida toda: «cada comboniano, desde o tempo do acompanhamento vocacional, cultiva o encontro com o Senhor através da oração constante» (DC’15, 48.1). Jesus é a porta de entrada para o encontro com a vida, com os outros: «é necessário manter os olhos fixos em Jesus Cristo que nos introduz na contemplação do mistério de Deus mas também no mistério do homem» (DC’15, 28).

A missão é a outra face da nossa identidade: somos enviados para testemunhar o amor do Pai através «da linguagem nova [… da] ternura, misericórdia, simplicidade, humildade» (DC’15, 48,4). Esta é a essência da nossa missão. Assim, «sonhamos com um Instituto de missionários «em saída» (EG 20), peregrinos com os mais pobres e abandonados (RV 5), que evangelizam e são evangelizados através da partilha pessoal e comunitária da alegria e da misericórdia, cooperando no desenvolvimento de uma humanidade reconciliada com Deus, com a criação e com os outros (EG 74)» (DC’15, 21).

Combonianos: o carisma de São Daniel Comboni, «nosso pai na missão» (DC’15, 3) inspira-nos no percurso missionário: «Seguindo as pegadas de Daniel Comboni, atingimos as periferias do sofrimento entre os mais pobres e não evangelizados. Este é o horizonte da nossa missão», dizem os DC’15 no número de abertura. O n.º 48.1. indica a necessidade de viver o encontro com Cristo «no dom carismático de São Daniel Comboni.» A família comboniana é descrita «como lugar carismático» (DC’15, 34) para cumprir a intuição profética do fundador e o Capítulo propõe o trabalho em rede (DC’15, 45.3) e com novas formas de comunhão, incluindo comunidades comuns (DC’15, 44.14).

Ao serviço: somos chamados a caminhar de patrões ou protagonistas auto-referenciais da missão para seus servidores: «membros de uma Igreja ministerial que evangeliza enquanto comunidade, somos provocados a converter-nos ao serviço e à colaboração» (DC’15, 25). E desafiados a ousar com a coragem «novas formas de fraternidade e de serviço» (DC’15, 43). Um serviço que pede requalificação (DC’15, 45.1, 46.2) e especialização (DC’15, 60), vivido na pequenez e docilidade ao Espírito (DC’15, 40). O serviço e a colaboração são os carris da nossa conversão. O cuidado mútuo é parte do serviço missionário a que somos chamados e inclui «a coragem da correcção fraterna» (DC’15, 31). O trabalho em rede (DC’15, 45.3) é o novo nome da colaboração.

Da alegria: Os DC’15 são um hino à alegria: usam o termo dez vezes. A Introdução destaca que a alegria brota da doação de vida a Jesus e ao seu povo e incluiu o preço do martírio (DC’15, 4). No número 33 lemos: «Sentimos necessidade de recuperar o sentido de pertença, a alegria e a beleza de ser verdadeiro “cenáculo de apóstolos”, comunidade de relações profundamente humanas». Isto porque, como escreve Paulo aos Romanos (14, 17), «o reino de Deus […] é justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo.» A saída é sublinhada como «fonte da nossa alegria» (DC’15, 28). Se a alegria se afigura demasiado estridente para espiritualidades mais sisudas, por ser substituída pela graça – que em grego partilha com a alegria a mesma raiz.

Do Evangelho: O Evangelho é o fundamento da vocação, da vida comum e da missão. É, primeiro, Palavra de Deus para nós, «escutada, vivida, celebrada e anunciada, que toque e inspire todas as dimensões da nossa vida missionária nos âmbitos pessoal, comunitário, de missão, economia e governo (EG 174)» (DC’15, 30), «meditada e partilhada» (DC’15, 48.2). Que nos remete para a lectio divina como oração típica individual e comunitária do missionário e essencial para o discernimento evangélico. A partilha do Evangelho da alegria é também o serviço missionário a que somos chamados na Europa: «ter “a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho” (EG 20)» (DC’15, 46.1).

No mundo: na nossa vida comunitária e pessoal há uma tensão a resolver entre a necessidade de privacidade e a chamada à proximidade, entre recolhimento e acolhimento, recato e relação. O Papa Francisco preconiza uma Igreja «em saída», que deixa a zona de conforto para chegar às periferias humanas e geográficas. Os DC’15 também realçam um ponto assente da antropologia cristã: «O apelo a sair de si mesmos e ir ao encontro dos outros sublinha a visão cristã de pessoa como ser em relação, em contraposição com uma cultura individualista cada vez mais invasiva» (DC’15, 27). As comunidades combonianas são desafiadas a ser «lugares de acolhimento com uma atitude “em saída”, abertas aos que são atraídos pelo nosso testemunho missionário: isto nos ajudará a viver relações renovadas» (DC’15, 48.3), espaços acolhedores e atrativos (DC’15, 48.3), vocacionais (DC’15, 37), de animação missionária e laboratórios da interculturalidade (DC’15, 47.6), o chão teológico e sagrado onde operamos. A proximidade às pessoas e sobretudo aos pobres é reconhecida como «fonte importante da vida espiritual» (DC’15, 48.1).

De hoje: o hoje de Deus, da humanidade e da natureza, é o lugar teológico da missão. DC’15, 22 diz: «Queremos continuar à escuta de Deus, de Comboni e da humanidade, para colher e apontar na missão de hoje os sinais dos tempos e dos lugares». Viver o hoje do serviço missionário é viver em estado permanente de discernimento, assente «[n]a colegialidade, subsidiariedade, co-responsabilidade, interacção entre as circunscrições e uma liderança partilhada.» (DC’15, 41). Daniel Comboni «chama-nos a ser um “pequeno cenáculo de apóstolos” (E 2648), sempre prontos a actualizar o nosso carisma perante os novos desafios missionários» (DC’15, 3). Os desafios não nos atemorizam: desafiam-nos a caminhos novos de conversão.

É esta a graça maior do XVIII Capítulo Geral que, por intercessão de São Daniel Comboni, peço a Deus para nós e para o Instituto.

5 de janeiro de 2016

SOCIEDADE CIVIL


A sociedade civil africana representa um contraponto às oligarquias que sugam as riquezas dos respectivos países.

O julgamento dos 17 activistas angolanos acusados de planear um golpe de Estado para derrubar o Governo – e sobretudo a greve de fome de 36 dias de Luaty Beirão em Outubro do ano passado – ilustram a força que a sociedade civil africana tem como contrapeso às oligarquias que esvaziam os cofres públicos em proveito próprio e das clientelas que as sustêm. Beirão teve o mérito de manter o regime de Luanda sob o radar internacional por mais de um mês.

Os activistas angolanos, alguns deles filhos de notáveis do regime, foram detidos enquanto discutiam o texto «Ferramentas para destruir o ditador e evitar nova ditadura – Filosofia política da libertação para Angola», uma adaptação que Domingos da Cruz fez da obra Da Ditadura à Democracia que Gene Sharp escreveu em 1994. Os arguidos passaram mais de 100 dias em prisão preventiva até o julgamento começar a 16 de Novembro em Luanda. Classificam o encontro em que foram detidos como uma discussão académica, mas estão a ser julgados por conjura para derrubar o presidente José Eduardo dos Santos, há trinta e seis anos no poder. Beirão, um cantor rap, durante o julgamento definiu o regime como «uma pseudodemocracia que encobre uma ditadura».

A sociedade civil africana começou a tornar-se notada e activa há duas décadas com o advento do multipartidarismo no continente. Grupos de cidadãos começaram a manifestar do Cairo ao Cabo uma inquietação crescente com a corrupção crónica que seca as economias nacionais e afecta as vidas dos cidadãos. No Senegal, derrubam em 2012 Abdoulaye Wade. Criaram organismos locais e alianças internacionais. Neste contexto, nasce em 1993 em Berlim a Transparency International para combater o impacto negativo da corrupção na África Oriental e que publica o temido Índice da Percepção de Corrupção anual. Mais tarde, surgiu nos Estados Unidos a plataforma Global Integrity para partilhar informação em tempo real sobre corrupção. O anglo-sudanês Mo Ibrahim, empresário bilionário do sector das telecomunicações, iniciou uma fundação para promover e premiar a boa governação no continente.

Durante a minha permanência no Sudão do Sul, relacionei-me com muitos membros da sociedade civil que promoviam a democracia, o Estado de direito, o acesso à justiça, os direitos humanos (sobretudo da criança e da mulher), a liberdade de expressão, as questões ambientais…

Em geral, eram jovens bem preparados e entusiastas. Dedicavam-se com generosidade vibrante às suas causas.

Também vi as suas dificuldades: a dependência crónica de financiamentos externos, a violência (física e legal) que o Estado usava para os confrontar e os esquemas para os neutralizar, absorvendo-os no aparelho governativo. Presto a minha homenagem a Isaiah Abraham, pastor e bloguista, crítico do Governo e defensor da democracia, silenciado por uma bala assassina em Dezembro de 2012 depois de várias ameaças de morte.

A sociedade civil tem um papel preponderante na consolidação da democracia em África. O relatório da Comissão de Inquérito da União Africana sobre a violência que marcou os últimos dois anos do Sudão do Sul advoga um maior envolvimento dessas organizações no processo de paz e reconciliação para lhes dar o necessário contexto cultural.

A Igreja também a reconhece como parceiro crucial no desenvolvimento dos Africanos. O papa emérito Bento XVI escreveu na exortação Africae Munus (O Serviço da África, n.º 79) que «a Igreja, agindo em colaboração com todos os outros componentes da sociedade civil, deve denunciar a ordem injusta que impede os povos africanos de consolidarem a própria economia e “de atingirem o desenvolvimento em conformidade com os seus traços culturais próprios”».