18 de dezembro de 2015

VENERÁVEL GIUSEPPE AMBROSOLI


O Papa Francisco aprovou um decreto que reconhece as virtudes heróicas do servo de Deus Giuseppe Ambrosoli, o médico da caridade, tornando mais próxima a sua beatificação.

A notícia foi publicada no Boletim de Imprensa no sítio do Vaticano.

Giuseppe Ambrosoli nasceu a 25 de julho de 1923 no norte da Itália. Filho de um industrial do mel, fez o curso de medicina durante os anos conturbados da segunda guerra mundial.

Em 1951, decidiu entrar para o Instituto dos Missionários Combonianos depois de frequentar um curso de medicina tropical em Londres. Foi ordenado em dezembro de 1955.

Partiu para o Uganda em 1956 com 32 anos, um mês e meio depois da ordenação. Foi enviado para Gulu, no norte do Uganda.

Em 1961 foi transferido para a missão de Kalongo, entre o povo Acholi. Ali fundou o hospital que serviu como médico-cirurgião por mais de 30 anos.

«Deus é amor, há um próximo que sofre e eu sou o seu servo», dizia.

As pessoas chamavam-lhe «doctor ladit», o grande médico.

Faleceu a 27 de março de 1987 em Lira depois de os soldados o terem forçado a evacuar o hospital devido à guerra civil. Tinha 65 anos.

O hospital de Kalongo foi reaberto dois anos depois com o nome de Dr. Ambrosoli Memorial Hospital.

Na mesma audiência privada com o Cardieal Angelo Amato, Prefeito da Congregação das Causas dos Santos, o Papa Francisco também autorizou a publicação de mais três decretos.

Um reconhece um milagre atribuído à Beata Teresa de Calcutá, que lhe abre as portas da canonização. 

Os outros dois validam as virtudes heróicas de mais dois Servos de Deus: o leigo alemão Enrico Hahn e  Adolfo Lanzuela Martínez dos Irmãos das Escolas Cristãs.

MÃE DE MISERICÓRDIA


Eleusa - Mãe de misericórdia

O Ano Santo Extraordinário da Misericórdia começou a 8 de dezembro. Uma feliz coincidência: porque nesse dia fez 50 que o grande Concílio Ecuménico Vaticano II encerrou; e porque a Igreja celebra a solenidade da Imaculada Conceição da Virgem Maria.

Há quase mil anos que invocamos Maria como mãe da misericórdia. A salve-rainha saiu da alma de Hermano Contrato, um monge alemão, por volta do ano 1050. Eram tempos difíceis os que se viviam nessa altura: guerras, pestes, fome. A Europa era «um vale de lágrimas.»

Maria é a mãe de misericórdia, porque na sua conceção imaculada, livre do pecado original, foi receptáculo da misericórdia de Deus de uma forma especial para ser a nova arca da aliança, a mãe do Salvador.

Na anunciação – os cristãos orientais chamam-lhe a evangelização de Maria – o anjo Gabriel saúda a virgem de Nazaré, chamando-lhe cheia de graça (Lucas 1, 28); cheia do amor do amado – como também pode ser traduzido.

Maria, a mãe de misericórdia, é a cheia de graça para ser a mãe de Deus. Um rosto que o Papa Francisco nos convida a contemplar para redescobrir o carinho do Pai: «O pensamento volta-se agora para a mãe de misericórdia. A doçura do seu olhar nos acompanhe neste Ano Santo, para podermos todos nós redescobrir a alegria da ternura de Deus.»

Hoje também vivemos dias muito complicados: terrorismo, violência, cristãos perseguidos e mortos, desemprego ou subemprego, fenómenos meteorológicos extremos, grandes massas de refugiados à procura de um poiso seguro…

A aldeia global tornou-se num vale de lágrimas... Pedimos à Mãe que volte para nós os seu olhar misericordioso e que interceda pelos seus filhos e filhas, ela que esmagou a cabeça da serpente.

O Papa Francisco escreveu em O rosto da misericórdia, a bula de proclamação do Ano Santo que «a misericórdia é o caminho que une Deus e o homem, porque nos abre o coração à esperança de sermos amados para sempre, apesar da limitação do nosso pecado.»

Por outro lado, Zacarias – o pai de João Batista – proclama o Natal de Jesus como «visita misericordiosa do nosso Deus» (Lucas 1, 78), uma misericórdia que se estende de geração em geração como Maria cantou no Magnificat (Lucas 1, 50), a oração do génio feminino. Uma misericórdia acolhedora que faz memória (Luca 1, 54).

O presente maior que podemos trocar neste natal é a experiência de misericórdia. «Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia», proclamou Jesus no sermão das bem-aventuranças (Mateus 5, 7).

Aprender a viver sob o olhar misericordioso de Deus e dos outros, a chave para uma vida mais humana e mais feliz.

É difícil viver a misericórdia, pode-se argumentar. Mas, como Maria, também estamos cheios da graça de Deus, da sua bondade e da sua glória, para podermos ser misericordiosos como Ele é misericordioso» (Lucas 6, 36), porque este é o caminho para sermos santos/perfeitos como Ele é santo/perfeito (Mateus 5, 48).

Um Ano Santo da Misericórdia cheio de misericórdia para ti, para mim, para todos!

13 de dezembro de 2015

10 PROBLEMAS DO PAPA


O Papa Francisco causou furor quando há um ano, no discurso de boas-festas aos cardeais e colaboradores da cúria romana para a troca de bons votos de natal, desancou nos burocratas do Vaticano e listou e explicou as quinze doenças que afetam os seus colaboradores mais diretos.

A resposta dos ofendidos demorou, mas chegou pela mão anónima de alguém que escreveu uma carta aberta de advento enumerando os dez problemas do magistério do papa Francisco.

A carta foi publicada a 27 de novembro pela Focus, uma revista alemã. 

O autor parece ser um monsenhor alemão reformado que trabalhou muitos anos na cúria romana já que se assina «Um capelão de vossa santidade.»

O autor diz que se escudou no anonimato por medo das represálias do papa aos seus ex-superiores no Vaticano.

Para ele, os dez «aspetos problemáticos» do governo do papa argentino são: atitude emocional e anti-intelectual que dificulta o tratamento das questões teóricas e doutrinais; autoritarismo; populismo de mudança; conduta pessoal que critica predecessores; pastoralismo; exposição exagerada da simplicidade de vida; particularismo que opõe os objectivos e propostas da Igreja universal aos pontos de vista de parte da Igreja; desejo de espontaneidade constante; falta de claridade sobre as inter-relações de liberdade religiosa, política e económica; e, finalmente, meta-clericalismo.

O autor começa por acusar o papa de não conhecer a Cúria por dentro mas por fora ou por cima. Chama os teólogos escolhidos por Francisco de incompetentes. E sublinha que «fé sem doutrina não existe.»

Acusa o papa de desdenhar ensinamentos teóricos e de ser autoritário, instalando um clima de medo no Vaticano.

Recorda que na Igreja as mudanças são lentas e muitas das declarações papais suscitam expectativas erradas.

Acusa o papa de falta de humildade ao querer reinventar o ministério petrino e recriar a herança da fé.

Diz ao papa que não precisa de mostrar constantemente a simplicidade de vida e aconselha-o a comprar ou pedir que lhe ofereçam um carro ecológico que é muito mais caro.

Classifica de cómica a atitude de subjugar os obejtivos e propostas da Igreja universal aos pontos de vista de uma parte da Igreja.

Critica a espontaneidade constante do papa e classifica a sua linguagem de não-profissional porque é mal entendida e exige clarificações constantes por parte dos colaboradores. Recorda que os papas têm que ser menos espontâneos que os pastores.

Diz que o papa está a favorecer estados fortes nas áreas da economia e do social e que a Igreja deve defender instituições não governamentais e ajudar as pessoas a cuidar da própria vida, porque «o estado social pode tornar-se demasiado poderoso, e com isso, demasiado paternalístico, autoritário e iliberal.»

Finalmente, acusa o papa Francisco de se desinteressar pelo clero e que o clericalismo que critica é mais fantasma que real.

Recorda que o papa «deve servir a continuidade e Tradição da Igreja» e pede-lhe que reduza «as suas inovações e provocações». Aconselha-o a usar o advento para refletir sobre o seu ministério, e que aprenda mais dos colaboradores porque «como ele, muitos têm dificuldade com o modo como às vezes fala e atua.»

A impressão com que eu fico é que esta carta que levou um ano a chocar, no fundo, é a voz descontente dos burocratas mais conservadores da cúria romana que perderam a segurança e o poder a que estavam acostumados. É normal que o efeito-Francisco gere ondas de choque negativas! E que o modo mais espontâneo latino-americano contraste com o rigorismo oficial.

Choca-me sobremaneira a acusação final de que o papa é incapaz de lidar com a crítica e que reage com cólera. Esta não é a imagem que irradia com a sua postura bondosa e acolhedora. Pode ser uma punhalada traiçoeira de um «falcão ferido». Os animais feridos são muito perigosos...

3 de dezembro de 2015

PRESÉPIO NEGRO


Se Jesus tivesse nascido em África, teria sobrevivido à primeira infância e chegado à idade adulta?

Enternecem-me as representações africanas do presépio, esculpidas ou pintadas. Singelas, lineares, às vezes minimalistas, outras vezes com explosões de cor, luz e movimento como os ícones etíopes da natividade que tanto me fascinam: olhares enormes, redondos, contemplativos; corpos solenes; mãos esguias, adoradoras; uma paleta de cores ricas de vida: amarelos, azuis, encarnados, brancos… Cabeças e asas de anjos a anunciar a grande alegria: nasceu-vos um Salvador!

O presépio é uma criação plástica de Francisco de Assis. Montou-o pela primeira vez com figuras de barro em 1223 na floresta de Grécio, no Lácio italiano. Com o andar do Cristianismo através das muitas culturas, foi ajuntando matizes e materiais locais que aprofundam o mistério da encarnação: Jesus faz-se homem em cada raça, é mistério intercultural.

Há um pensar que me vara o coração com um estremecimento apertado: se, em vez de nascer em Belém da Judeia, Jesus tivesse nascido, por exemplo, em Bentiu – no Sudão do Sul, Bourem – no Mali, Bongor – no Chade, Blama – na Serra Leoa, ou no Bailundo – em Angola, que azo teria de chegar à idade adulta?

A infância africana continua sob céus pesados apesar dos grandes progressos na assistência sanitária das últimas décadas. A Unicef, a agência da ONU para a infância, denuncia que no Sahel, no Nordeste da África, a crise alimentar ameaça cerca de 6,4 milhões de crianças de má nutrição aguda, afectando o seu desenvolvimento integral; que 2,4 milhões de crianças estão a ser atingidas pela crise na República Centro-Africana; que mais de 2,5 milhões de crianças sofrem de má nutrição severa aguda na República Democrática do Congo; que a guerra étnica no Darfur e nos montes Nuba, no Sudão, deixou as crianças vulneráveis às doenças e à fome, incluindo 1,2 milhões que sofrem de má nutrição aguda.

As estatísticas da mortalidade infantil são ainda mais tremendas: a Organização Mundial de Saúde diz que na África 8,1 % das crianças morrem antes de fazerem cinco anos. Em números redondos, em 2013, faleceram 2,9 milhões de crianças africanas com menos de cinco anos, um contador implacável de cinco crianças a morrer por cada minuto que passa.

A ONG Child Mortality documenta que, na África Subsariana, uma em cada 12 crianças morre antes dos cinco anos (nos países ricos o rácio é de uma por 147). Por países, em Angola perecem 15,7 % das crianças antes dos cinco anos, no Chade 13,9 %, na Somália 13,7 %, na República Centro-Africana 13 % e no Mali 11,5 %. Portugal tem uma taxa de mortalidade infantil de 0,4 %: morrem quatro crianças por cada mil nascimentos antes dos cinco anos.

O que é que mata os bebés africanos? Infecções, pneumonias, diarreias, malária, má nutrição e outras doenças facilmente tratáveis com medicamentos baratos e vacinas. Mas as crianças continuam a morrer...

Relacionada com a natividade africana está também a mortalidade materna. Os números são do Banco Mundial e da ONU e respeitam ao ano de 2013: na Serra Leoa, o país com o índice mais elevado, morrem 1100 mães por 100 mil partos vivos. Segue-se o Chade com 980, a vizinha República Centro-Africana com 880, o Burundi com 740 e o Sudão do Sul e a República Democrática do Congo com 730. Em Portugal, a mortalidade materna é de oito mães por cada 100 mil nascimentos. As mamãs morrem de complicações antes, durante e depois do parto, porque os governos canalizam os recursos para a guerra, descurando a saúde pública. Muitas são demasiado jovens para gerar filhos...

O Papa Francisco escreveu uma frase muito eloquente na exortação apostólica A Alegria do Evangelho: «Na sua encarnação, o Filho de Deus convida-nos à revolução da ternura!»

São estas as minhas saudações natais!