2 de julho de 2015

LOUVADO SEJAS


Laudo si’, Louvado sejas, a segunda carta encíclica do Papa Francisco, é um documento inovador e cheio de surpresas sobre o cuidado que a casa comum requer.

O seu coração palpita no nº 139: «Quando falamos de “meio ambiente”, fazemos referência também a uma particular relação: a relação entre a natureza e a sociedade que a habita. Isto impede-nos de considerar a natureza como algo separado de nós ou como uma mera moldura da nossa vida. Estamos incluídos nela, somos parte dela e compenetramo-nos. [...] É fundamental buscar soluções integrais que considerem as interações dos sistemas naturais entre si e com os sistemas sociais. Não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única e complexa crise sócio-ambiental. As diretrizes para a solução requerem uma abordagem integral para combater a pobreza, devolver a dignidade aos excluídos e, simultaneamente, cuidar da natureza.»

Esta é a primeira novidade a sublinhar: Francisco propõe uma «ecologia integral» que inclua o meio ambiente e as pessoas, sobretudo os mais pobres: a pobreza e a degradação ambiental andam de mãos dadas e não se pode resolver uma se solucionar a outra.

Mas o Papa argentino brinda-nos com muitas mais surpresas.

Normalmente, os documentos papais têm um título em latim formado pelas duas ou três palavras de abertura. Louvado sejas tem um título em italiano: Laudato si’, do Cântico das Criaturas de Francisco de Assis a quem foi buscar o nome e a inspiração.

Os documentos papais são habitualmente endereçados aos bispos, aos padres, aos consagrados e aos fiéis. Às vezes os homens de boa vontade também são incluídos entre os destinatários. Louvado sejas não é dedicado a ninguém em particular, é uma encíclica católica no seu sentido mais extenso: é para todas as pessoas que habitam a casa comum.

Mas há mais! As notas de fim de página quer pela posição quer pelo corpo da letra – normalmente mais pequena que o do texto – passam facilmente despercebidas. As 172 notas que pontuam a Louvado sejas revelam uma encíclica ecuménica e colegial.

Francisco integra no «magistério social da Igreja» (nº 15) os ensinamentos do Patriarca Ecuménico Bartolomeu, de 19 conferências episcopais continentais, nacionais (incluindo a portuguesa na nota 124) e regionais; faz uma chamada para Ali al Khawwas (nota 159), um pensador muçulmano, e cita dois documentos seculares: Declaração do Rio (1992) e Carta da Terra (2000).

O grosso das citações, contudo, vem do magistério do Santo Padre João Paulo II (39), de Bento XVI (28), do próprio Papa Francisco (18) que remete frequentemente  para a exortação Evangelii Gaudium, A alegria do Evangelho, o documento programático do seu pontificado.

São Basílio Magno, São Justino, São João XXIII, Beato Paulo VI, São Tomás de Aquino, São Boaventura, São João da Cruz, Dante (o génio da literatura italiana), Tomás de Celano, historiógrafo de Francisco de Assis, o pensador francês Paul Ricoeur e o teólogo católico Romano Guardini também são fontes de inspiração para o Papa argentino.

Cita alguns documentos do Concílio Vaticano II, do Pontifício Conselho Justiça e Paz, o Catecismo da Igreja Católica e o Documento de Aparecida.

Ao contrário dos seus antecessores, Francisco não se cita continuamente, mas dialoga com todas as avenidas do pensamento humano, religiosas e seculares, na procura de alternativa à cultura do consumismo e do descarte.

A própria apresentação da encíclica aos jornalistas, a 18 de junho, trilhou terrenos novos. O cardeal ganês Peter Turkson fez a apresentação geral do documento, seguido pelas intervenções de um leigo e duas leigas que apresentaram as respetivas leituras da Louvado sejas a partir das suas perspetivas profissionais.

Pena foi que alguns cardeais e bispos das cadeiras da frente se tivessem ido embora quando a primeira mulher começou a apresentar a sua reflexão.

A estrutura da encíclica segue o modelo do ver, julgar e agir, um sistema analítico que a América Latina ofertou ao mundo.

Os capítulos I e II fazem o ponto da situação ecológica vis-à-vis com a proposta bíblica; os capítulos III e IV denunciam a raiz humana da crise ecológica e propõem uma ecologia integral; e os capítulos V e VI apresentam linhas de orientação e ação, e uma educação e espiritualidade ecológicas.

O Papa avalia a questão ecológica integrando diversas perspetivas do saber, e faz propostas muito concretas para uma ecologia integral que conjugue os fatores ambientais, económicos e sociais através do repensar dos modelos de desenvolvimento, produção e consumo no cuidar da casa comum de que todos somos condóminos.

Propõe o uso de transportes públicos (nº 153), grandes «percursos de diálogo» que nos tirem da espiral de destruição (nº 163), substituição dos combustíveis fósseis (nº 165), uma nova gestão internacional dos oceanos (nº 175), uma baixa de consumo dos países ricos (nº 193), conversão de modelos de desenvolvimento global (nº 196), diálogo inter-religioso para enfrentar a crise ecológica (nº 201).

Aponta ainda uma cidadania ecológica através da educação para um estilo de vida sustentável.

«A educação na responsabilidade ambiental pode incentivar vários comportamentos que têm incidência direta e importante no cuidado do meio ambiente, tais como evitar o uso de plástico e papel, reduzir o consumo de água, diferenciar o lixo, cozinhar apenas aquilo que razoavelmente se poderá comer, tratar com desvelo os outros seres vivos, servir-se dos transportes públicos ou partilhar o mesmo veículo com várias pessoas, plantar árvores, apagar as luzes desnecessárias…» escreve no nº 211.

Já perto do fim, o papa argentino faz uma ligação profunda entre a paz interior e atitude ecológica, muito próxima do conceito bíblico de shalom, paz, harmonia : «A paz interior das pessoas tem muito a ver com o cuidado da ecologia e com o bem comum, porque, autenticamente vivida, reflete-se num equilibrado estilo de vida aliado com a capacidade de admiração que leva à profundidade da vida. A natureza está cheia de palavras de amor», anota no nº 225.

Francisco pede uma atitude de coração atenta e plenamente presente como caminho para uma ecologia integral.

 «Jesus ensinou-nos esta atitude, quando nos convidava a olhar os lírios do campo e as aves do céu, ou quando, na presença dum homem inquieto, «fitando nele o olhar, sentiu afeição por ele» (Mc 10, 21). De certeza que Ele estava plenamente presente diante de cada ser humano e de cada criatura, mostrando-nos assim um caminho para superar a ansiedade doentia que nos torna superficiais, agressivos e consumistas desenfreados» (nº 226).

Boa leitura da Louvado sejas!

1 comentário:

Rede BU disse...

Papa Francisco, um mensageiro da Paz. Está mudando muitas mentes e muitos corações.
Saudações a todos
Amanda
http://oracoesdefe.blogspot.com