26 de outubro de 2014

AMOR-CHAVE


Os centros de interpretação são uma ferramenta recente para explicar lugares históricos que o evangelho deste domingo me recordou.

Conta Mateus (22: 34-40) que um doutor da lei propôs um debate a Jesus sobre qual era o maior mandamento da lei.

Os dez mandamentos que Deus deu a Moisés em duas pedras no Monte Sinai, no tempo de Jesus tinham sido fragmentados em 613 leis: 365 proibições (tantas como os dia do ano) e 248 obrigações (tantas como os ossos do corpo – pensava-se).

Um judeu piedoso contemporâneo de Jesus vivia num sobressalto constante: com isto estou a cumprir ou a contradizer a lei? Não é fácil recordar de cor 613 prescrições.

Daí a pergunta do legista: Qual das 613 leis é a mais importante?

Jesus responde juntando uma frase do Livro do Deuteronónio (6:5) - «Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua mente», parte da Shemá, a oração que os hebreus recitam duas vezes por dia, - com outra frase do Levítico (19:18): «Amarás ao teu próximo como a ti mesmo.»

E diz que os dois mandamentos – que são iguais e parte um do outro – encerram não só a lei mas também os profetas: isto é, todas as Escrituras.

O amor é a palavra-passe que abre o segredo da experiência de Deus e o centro de interpretação da vida cristã: não se pode separar a relação com Deus da relação com as pessoas, porque o amor a uma parte abre-nos forçosamente à outra.

O amor é a chave da vida, é a palavra-passe para abrir a nossa felicidade pessoal e comunitária.

Ama e és feliz!

23 de outubro de 2014

DOXOLOGIA


No verão de 1980 passei um mês no Hospital de São João de Deus em Montemor-o-Novo. A estada no centro ortopédico infantil foi parte do noviciado, o tempo de formação para a vida missionária comboniana.

No hospital havia um capelão, um padre já idoso, que costumava perguntar aos pequenos acamados:

-Meu menino, o que é o Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo?

Os miúdos respondiam com olhares arregalados.

-É uma doxologia, meu menino! – repetia o capelão, sorridente, a esfregar as mãos.

Foi assim que eu aprendi que o Glória ao Pai se chamava doxologia.

Esta palavra vem do grego e quer dizer palavra de louvor, glorificação.

Muitos anos mais tarde, a 6 de Outubro de 2003, o Cardeal Gabriel Zubeir de Cartum presidiu a uma missa de acção de graças na Basílica de São Pedro, no Vaticano.

No dia anterior, Daniel Comboni, o primeiro bispo de Cartum e fundador dos Combonianos, tinha sido canonizado pelo Papa (agora São) João Paulo II.

O Cardeal Zubeir confidenciou durante a homilia que muitas vezes rezava o terço de uma forma muito sua: em vez das 50 ave-marias dizia 50 glórias-ao-pai.

Estas duas estórias vieram-me à memória esta manhã quando orava com o passo-a-rezar de hoje.

A reflexão convidava os orantes a repetir o Glória ao Pai várias vezes durante o dia.

Este tem sido o meu mantra durante os últimos anos: deixar ecoar no pensamento, lenta e repetidamente: Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo, como era no princípio, agora e sempre. Ámen!

Dá-me paz, serenidade! E apeteceu-me partilhá-lo contigo. 

17 de outubro de 2014

RIO DE ALEGRIA

Nilo Branco ©JVieira

O Papa escreveu a mensagem para o Dia Mundial das Missões 2014 – que se celebra no domingo, 19 de outubro – sob o signo da alegria. De facto, ele repete a palavra 27 vezes, ecoando a exortação de Paulo: «Alegrai-vos sempre no Senhor. Repito: alegrai-vos!» (Filipenses 4:4). O vocábulo amor aparece dez vezes. Alegria e amor são os ingredientes com que se faz a missão.

Francisco define o Dia Mundial das Missões como uma «celebração de graça e alegria» através de «orações e gestos concretos de solidariedade» para com as igrejas jovens.

A evangelização é um rio de alegria em que os baptizados são convidados a navegar e a alimentar através de uma peregrinação interior ao «primeiro amor» para perseverar com o Senhor e fazer a sua vontade, partilhando a fé, a esperança e a caridade evangélica.

Tomando como ícone a narrativa lucana do regresso jovial dos 72 da primeira experiência missionária (Lucas 10:17-23), o Papa recorda que Jesus disse aos discípulos para se alegrarem não pelo que fizeram – a vitória limpa sobre o demónio – mas por terem os seus nomes inscritos nos céus, por experimentarem o amor de Deus e poderem partilhá-lo.

«Os discípulos são aqueles que se deixam conquistar mais e mais pelo amor de Jesus e marcar pelo fogo da paixão pelo Reino de Deus, para serem portadores da alegria do Evangelho. Todos os discípulos do Senhor são chamados a alimentar a alegria da evangelização», nota o Papa argentino.

E ajunta: «A alegria do Evangelho brota do encontro com Cristo e a partilha com os pobres» através de uma «vida fraterna intensa, baseada no amor a Jesus e atenta às necessidades dos mais desfavorecidos.»

O Papa recorda que os bispos são os primeiros responsáveis pelo anúncio, devem favorecer a unidade da diocese e cuidar que o anúncio chegue aos seus lugares mais remotos e às periferias.

E ressalva dois aspectos:

· os LEIGOS «são chamados a assumir um papel cada vez mais relevante na difusão do Evangelho»;

· «a alegre participação na missão ad gentes» através da contribuição económica pessoal «para que a própria oferta material se torne instrumento de evangelização de uma humanidade edificada no amor».

Uma nota final; o Papa Francisco é claro: a missão ad gentes é obra de todos os baptizados e as igrejas locais e os leigos são os principais agentes da evangelização.

Pela primeira vez o Papa não refere explicitamente os missionários nem as Obras Missionárias Pontifícias na mensagem para o Dia Mundial das Missões.

Os institutos missionários – que foram os protagonistas da missão do século XIX e parte do XX – depois do Vaticano II passaram o estandarte do protagonismo às igrejas locais, onde se inserem, de que são parte e que servem.

Não quer dizer que os institutos missionários cumpriram a sua missão e que expirou o seu prazo de validade. Tanto os institutos missionários como as obras pontifícias são elementos acessórios no processo de evangelização, não são atores. Cumpre-se a palavra de João em relação a Jesus: «É necessário que ele cresça e eu diminua» (João 3:30).

Uma nota eclesiológica: o Papa define a IGREJA como uma casa para muitos, mãe para todos os povos, parteira de um mundo novo, como Maria, «modelo de uma evangelização humilde e jubilosa.»

Um Dia Mundial das Missões muito feliz para ti.

10 de outubro de 2014

COMO JESUS, COMO COMBONI


A Igreja «deu» à família comboniana a segunda parte do capítulo décimo do Evangelho segundo São João (versículos 11 a 16) para celebrarmos a solenidade de São Daniel Comboni, oferecendo o bom pastor do coração trespassado como o modelo de serviço missionário.

Jesus apresenta-se nesta porção dos Evangelhos como o pastor belo, o bom pastor que dá a vida (João 10:11), que oferece a vida pelas ovelhas (João 10:15). Antes tinha proclamado o coração do seu ministério: «Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância» (João 10:10).

Jesus cumpre a promessa de Deus ao seu povo através da profecia de Jeremias: «Dar-vos-ei pastores segundo o meu coração» (Jeremias 3:15). Ele é o bom pastor do coração trespassado que nos envia para sermos sua presença no tempo e no espaço. Jesus é o belo pastor, o bom pastor, o grande pastor (Hebreus 13: 20), o supremo pastor (1 Pedro 5:4).

Antes de mais, Jesus recupera a figura do pastor. No seu tempo, o ofício de guardador de rebanhos tinha perdido a mística dos tempos antigos. Os pastores viviam com os rebanhos – e dos rebanhos – 24 horas por dia e não guardavam a pureza religiosa. Faziam parte dos excomungados, publicanos e pecadores, excluídos do templo.

Também distingue entre pastores e mercenários. São duas maneiras, duas atitudes de servir: o primeiro dá a vida, o segundo foge dos lobos «porque não se preocupa com as ovelhas.»

Por outro lado, Jesus é o pastor que conhece as ovelhas e elas o conhecem como ele e o Pai se conhecem mutuamente: dois planos numa teia tecida de linhas do mesmo conhecimento, que no dizer bíblico não é acumulação de informação, mas relação, intimidade, entranhamento.

A Regra de Vida dos Missionários Combonianos proclama no nº 21 que «o missionário comboniano é chamado a seguir Cristo, isto é, a estar com Ele e a ser mandado por Ele ao mundo, partilhando o seu destino.» E no nº 21.1 especifica que «o encontro pessoal com Cristo é o momento decisivo da vocação do missionário. Só depois de ter descoberto que foi amado por Cristo e conquistado por Ele, pode deixar tudo e ficar com Ele.»

Daí a necessidade de um serviço missionário de proximidade, sem distâncias higiénicas nem trincheiras ou barreiras. Escreve o Papa Francisco: «Com obras e gestos, a comunidade missionária entra na vida diária dos outros, encurta as distâncias, abaixa-se – se for necessário – até à humilhação e assume a vida humana, tocando a carne sofredora de Cristo no povo. Os evangelizadores contraem assim o “cheiro das ovelhas”, e estas escutam a sua voz» (A Alegria do Evangelho 24).

Jesus não mora preso num lugar, numa ideia. É caminho, saída. Tem outros redis a atender, outras ovelhas a reunir para que haja «um só rebanho e um só pastor» (João 10:16). Este é outro requisito do serviço missionário: deixar tudo – zonas de conforto, projetos pessoais, protagonismos pedantes – para se abrir ao projeto de Deus de construir uma família global através da comunhão, da inclusão, à volta do bom pastor do coração aberto que é nascente de vida e gruta de sossego para os cansados e oprimidos.

Estas foram também as atitudes que coseram a vida e a missão de São Daniel Comboni. A homilia que proferiu em Cartum a 11 de Maio de 1873 é um texto fundamental que deixa transparecer os seus valores referenciais. Cito três parágrafos:

«Tende a certeza de que a minha alma vos corresponde com um amor ilimitado para todo o tempo e para todas as pessoas. Eu volto para o meio de vós para nunca mais deixar de ser vosso e totalmente consagrado para sempre ao vosso maior bem. O dia e a noite, o Sol e a chuva encontrar-me-ão igualmente e sempre disposto a atender as vossas necessidades espirituais; o rico e o pobre, o são e o doente, o jovem e o velho, o patrão e o servo terão sempre igual acesso ao meu coração. O vosso bem será o meu e as vossas penas serão também as minhas» (Escritos 3158).

«Quero partilhar a vossa sorte e o dia mais feliz da minha existência será aquele em que eu possa dar a vida por vós. Não ignoro a gravidade do peso que lanço sobre mim, já que, como pastor, mestre e médico das vossas almas, terei de velar por vós, instruir-vos e corrigir-vos; defender os oprimidos sem prejudicar os opressores, reprovar o erro sem censurar o que erra, condenar o escândalo e o pecado sem deixar de ter compaixão pelos pecadores, procurar os transviados sem encorajar o vício: numa palavra, ser ao mesmo tempo pai e juiz. Mas resigno-me a isso, na esperança de que todos vós me ajudareis a levar este peso com júbilo e com alegria em nome de Deus» (Escritos 3159).

«Meus filhos, eu confio-vos neste dia solene à piedade dos Corações de Jesus e de Maria, e, no acto de oferecer por vós o mais aceitável dos sacrifícios ao Altíssimo Deus, rogo humildemente que seja derramado sobre as vossas almas o sangue da redenção, para as regenerar, para as sarar, para as embelezar na medida da vossa necessidade, a fim de que esta santa missão seja fecunda para a vossa salvação e para a glória de Deus» (Escritos 3164).

Leigas e leigos, seculares, irmãs e irmãos, padres: todos exercemos ministérios, somos servidores. O modelo do bom pastor do coração trespassado é o percurso ministerial que somos chamados a trilhar para sermos pastores segundo o coração de Deus.

8 de outubro de 2014

MENTIRA BOA


«A boa mentira» conta a odisseia horrenda de sete irmãos e uma irmã que a guerra civil forçou a abandonar a aldeia natal em Bahr el Ghazal, no Sudão do Sul. 

Depois de mais de mil quilómetros a pé – dois morreram e um foi preso pelos soldados sudaneses – chegaram ao campo de refugiados de Kakuma, no norte do Quénia. O terceiro irmão faleceu de exaustão à chegada. Os quatro sobreviventes, três rapazes e uma rapariga, tiveram a sorte de serem remetidos para os Estados Unidos.

A saga das oito crianças dincas foi repetida até à exaustão por mais de 20 mil rapazes e algumas raparigas com idades entre os sete e o 17 anos, dincas e nueres, no final dos anos 80. Primeiro, caminharam a pé para a Etiópia. Quando regime de Menguistu caiu, em 1991, foram corridos a tiro e dirigiram-se para Kakuma. Foram apodados de lost boys, crianças perdidas, pelos trabalhadores humanitários.

Muitos miúdos fugiram do inferno da segunda guerra civil que consumiu o Sudão do Sul entre 1983 e 2005. Outros foram enviados pelos pais para poderem estudar.

O SPLA, o Exército de Libertação do Povo do Sudão, criou com as crianças nos campos de refugiados o Red Army, Exército Vermelho, um grupo de crianças-soldados.

Conheci o padre Benjamin Madol, da diocese de Rumbek, que acompanhou durante três meses um grupo de crianças a pé até à Etiópia. Depois foi o capelão dos campos de refugiados no sul do país.

Em 2001, os Estados Unidos começaram a transportar jovens sul-sudaneses retidos em Kakuma sem futuro mas o ataque às Torres Gémeas congelou o programa. 

Cerca de 4000 foram realojados nos EUA.

«A boa mentira» filme narra os perigos – fome, sede, doenças, soldados, feras – que os sobreviventes venceram na marcha pungente através de um pacto que todos repetiram: «Eu quero viver, não quero morrer!»

Nos Estados Unidos tiveram que reaprender a viver tentando manter-se fiéis aos valores tradicionais.

À agente de emprego que os recebeu chamaram carinhosamente Ayardit, grande vaca branca.

O filme termina com uma reviravolta que me apanhou de surpresa. E com um provérbio africano: «Se queres ir depressa vai sozinho, se queres ir longe vai junto.»

«A boa mentira» estreia a 9 de Outubro e vale bem a pena ser visto. Estive na ante-estreia no dia 7.

7 de outubro de 2014

INOVAÇÃO PASTORAL


253 pessoas, incluindo cardeais, bispos, religiosos, peritos, casais e representantes de outras igrejas, estão a participar no Sínodo extraordinário sobre «os desafios pastorais da família, no contexto da evangelização.» A assembleia começou a 5 de Outubro e vai até 19.

O instrumento de trabalho para a assembleia explica que o sínodo vai tratar de três âmbitos: o evangelho da família a ser proposto nas circunstâncias actuais; a pastoral familiar a ser aprofundada face aos novos desafios; a relação generativa e educativa dos pais em relação aos filhos (nº 158).

Há muitas expectativas para o sínodo já que a situação dos divorciados, recasados e juntos coloca desafios pastorais a que a Igreja tem sentido alguma dificuldade em responder.

Há um ponto assente: Jesus era contra o divórcio. A evidência bíblica é conclusiva: «Não separe o homem aquilo que Deus uniu» (Marcos 10:9).

No tempo de Jesus, o judaísmo permitia o divórcio: «Moisés permitiu escrever carta de divórcio e despedir a mulher» ( Marcos 10:4), disseram os fariseus a Jesus depois de lhe perguntarem se era permitido a um homem repudiar a sua mulher. No entender de Jesus, a dispensa de Moisés estava relacionada com a dureza de coração dos crentes (Marcos 10: 5).

Mateus, no capítulo 19 do seu evangelho, relata o mesmo episódio, mas ajunta um detalhe: «Se alguém se divorciar da sua mulher - excepto em caso de união ilegal - e casar com outra, comete adultério» (Mateus 19:9). O texto recorda o princípio de que Jesus era contra o divórcio excepto no caso de «porneia» traduzido aqui por união ilegal, mas que também pode ser imoralidade sexual, fornicação, prostituição.

Paulo, diz à comunidade de Corinto que se uma pessoa foi baptizada e o cônjuge não, podem continuar casados excepto se a parte não crente decidir deixar o matrimónio para preservar a paz (1 Coríntios 7, 12-17). Paulo junta contudo que este é o seu pensar, não o de Jesus. Nos versículos 10 e 11 tinha escrito: «Aos que já estão casados, ordeno, não eu, mas o Senhor, que a mulher não se separe do marido; se, porém, está separada, não se case de novo, ou, então, reconcilie-se com o marido; e o marido não repudie a sua mulher.»

Na Primeira Carta a Timóteo, Paulo diz que os candidatos a «episkopon» (bispo) têm que ser maridos de uma só mulher (1 Timóteo 3:2) Para os diáconos essa exigência não é mencionada (1 Timóteo 3:8). Na Carta a Tito, Paulo recorda que os candidatos a «presbyterous» (padre) devem ser também maridos de uma só mulher (Tito 1: 6). Estas exigências dão a entender que na comunidade cristã havia homens polígamos.

Estes três textos exemplificam como as primeiras comunidades cristãs se mantiveram fiéis ao ensinamento do Senhor que proibia o divórcio e encontraram respostas pastorais inovadoras para as situações concretas que viviam.

Jesus, em Mateus 13:52, conclui o discurso das parábolas do reino com este dito: «todo o doutor da Lei instruído acerca do Reino do Céu é semelhante a um pai de família, que tira coisas novas e velhas do seu tesouro.»

Dom Manuel Clemente disse que o sínodo não vai promulgar o «divórcio católico.» Nem pode! Espera-se é que os participantes na assembleia sinodal digam «coisas novas» para responder aos novos desafios que a família cristã vive hoje e não se limitem a repetir «coisas velhas».

2 de outubro de 2014

AFRICANOS MISSIONÁRIOS

Ir. Tiberh Zerezghi, Missionária Comboniana eritreia, com crianças de Bahia, Brasil

A África passou de terra de missão a Igreja missionária aberta a todo o mundo, incluindo Portugal.

No Verão de 1969, Paulo VI esteve em Campala, a capital do Uganda, para participar no encerramento de um simpósio organizado pelos bispos africanos. Na homilia lançou um apelo decisivo ao continente: «Africanos, sede missionários de vós próprios!»

A Igreja africana aceitou o desafio de ser missionária «em casa» e fora dela: africanas e africanos saíram em missão para outros continentes, incluindo para Portugal, onde ministram em comunidades religiosas e paróquias.

Apesar de não haver estatísticas disponíveis para quantificar a missionariedade do Continente Negro, há alguns indicadores que nos permitem entrever essa realidade.

Tomemos, a título de exemplo, a congregação dos Apóstolos de Jesus, a primeira congregação missionária africana. Foi fundada a 22 de Agosto de 1968 em Moroto, no Uganda, pelo bispo Sisto Mazzoldi e o padre João Marengoni. Estes dois missionários combonianos italianos também fundaram as Irmãs Evangelizadoras de Maria em 1975. O bispo Mazzoldi já tinha fundado as Irmãs do Sagrado Coração e os Irmãos de São Martinho de Porres, no Sudão (hoje do Sul). O padre Marengoni começou os Evangelizadores Contemplativos do Coração de Cristo no Quénia em 1986.

Os Apóstolos de Jesus contam com 381 padres e irmãos e estão presentes em mais de 60 comunidades distribuídas por 76 dioceses: 23 dos Estados Unidos da América, 12 do Uganda, 10 da Tanzânia, 8 do Quénia, 7 da África do Sul, 4 do Sudão do Sul, 3 da Inglaterra, 2 da Etiópia e da Itália e 1 da Austrália, Botsuana, Cuba, Alemanha e Sudão, respectivamente.

O mesmo se passa com as Irmãs Evangelizadoras de Maria, que também foram a primeira congregação missionária feminina africana. São cerca de 250 e vivem em 33 comunidades no Uganda, Tanzânia, Quénia, ilha de Zanzibar, Sudão do Sul, África do Sul, Cuba e Estados Unidos. Dedicam-se à evangelização, educação e promoção humana.

Por outro lado, em França, em Outubro de 2011, havia 847 padres africanos a trabalhar em dioceses francesas. Um quarto era da RD Congo.

Esta partilha de recursos humanos entre as igrejas particulares africanas e com a igreja universal foi preconizada por João Paulo II em A Igreja em África (n.º 129), a exortação apostólica que escreveu depois do primeiro sínodo sobre a Igreja no continente em 1994.

Candidatos africanos também representam um novo fôlego para muitos institutos masculinos e femininos, inclusive aqueles que nasceram para evangelizar a África, como os Missionários Combonianos, e já desempenham funções de liderança. Os seis noviciados combonianos na África, Europa e América têm 78 noviços, dos quais 66 são africanos. O panorama repete-se quanto a estudantes de Teologia: dos 128 seminaristas maiores, 110 são africanos.

O padre Don Bosco Ochieng, um espiritano do Quénia, passou quase dez anos incardinado na diocese de Rumbek, no Sudão do Sul. Hoje é o director da Agência Católica de Notícias para a África. Para ele, «África é uma Igreja missionária e vibrante para si mesma e para o mundo. O facto de africanos estarem a cuidar de paróquias na Europa e nas Américas é outra evidência de que os africanos são missionários».

A presença cada vez mais numerosa de africanas e africanos em institutos de origem europeia renova o próprio carisma com novas maneiras de o viver e operar: os africanos têm uma maneira própria de ser que afecta, enriquece e desafia a vida dos seus institutos. A internacionalização não pode ser apenas decorativa ou estatística, mas leva necessariamente à releitura dos carismas através de novas expressões de vida comunitária e de serviço missionário, nem sempre pacificamente aceites pelos membros mais velhos, europeus na maioria...