4 de setembro de 2013

PRIMAVERA EGÍPCIA: PARTE SEGUNDA


Os Egípcios voltaram às ruas para reclamar a revolução sequestrada pelos salafitas radicais da Irmandade Muçulmana. Sopram ventos de guerra civil.

Os egípcios moderados, religiosos e seculares, aproveitaram a celebração do primeiro ano do consulado do presidente Mohamed Morsi para protestar contra a direcção imposta pelos islamitas da Irmandade Muçulmana e reclamar a democratização do país.
Morsi foi eleito presidente a 30 de Junho de 2012, depois do derrube de Hosni Mubarak em Fevereiro de 2011. Prometeu democracia, crescimento económico e justiça social. Num ano, os cerca de 84 milhões de egípcios experimentaram o agravar da crise económica com falta de combustíveis e pão e a intolerância política e religiosa imposta pelos sunitas radicais. Milhares de pessoas reocuparam a mítica praça cairota de Tahrir e outras cidades do país a exigir mudanças. Os adeptos de Morsi acamparam na Praça de Raba’a, no bairro de Nasr City, para apoiar o regime salafita. O país entrou numa escalada política perigosa e os militares deram 48 horas ao presidente para restaurar a ordem. Morsi foi deposto a 3 de Julho e o seu governo substituído pela Frente de Salvação Nacional, uma aliança de partidos liberais e de esquerda, da Igreja e muçulmanos moderados, um governo de transição encarregado de rever a Constituição aprovada pelo partido de Morsi e preparar eleições parlamentares e presidenciais.
Os adeptos de Morsi não aceitaram o que consideram um golpe de Estado militar e até meados de Agosto cerca de mil pessoas tinham sido mortas em confrontos violentos entre adeptos e opositores de Morsi e forças da ordem. Este número inclui as cerca de 700 pessoas mortas durante a avançada do exército contra os acampamentos pró-Morsi. O presidente deposto encontra-se detido com uma dúzia de membros do seu governo em local secreto.
Nestes dois meses, o Egipto tem vivido momentos de instabilidade e uma transição dolorosa e perigosa marcada pelo medo, ansiedade e incerteza na análise de Paul Anis, o dirigente dos Combonianos no país. Ele disse-me que a sublevação de uma parte da população muçulmana marca claramente a rejeição do radicalismo islâmico imposto pela Irmandade Muçulmana, que quer estabelecer uma «Umma», ou comunidade islâmica unindo todos os países árabes.
Os Estados Unidos e Israel também sofreram um revés na sua política geoestratégica porque queriam utilizar os sunitas radicais do Egipto para isolar ainda mais o regime xiita de Teerão, que já perdeu o apoio da Líbia e corre o risco de perder o da Síria. Aliás, parece que Morsi tinha negociado um plano para mover os palestinos de Gaza para uma parte da península do Sinai e deixar a faixa para Israel.
O Hamas foi outro perdedor porque estava a ser fortemente apoiado pelos aliados da Irmandade com combustíveis, materiais de construção e outros bens a baixo preço. Recentemente foram descobertos oito túneis entre o Sinai e Gaza que seriam usados para passar os bens para a Faixa de Gaza.
Agora, os egípcios moderados recuperaram o controlo da sua revolução e as igrejas também assumiram um papel mais activo e visível. O novo papa copta, Tawadros II, integrou a coligação de elementos civis e religiosos que apresentou o itinerário para o futuro político do país, ao contrário do Papa Chenuda, que esteve sempre do lado de Mubarak durante a primeira primavera egípcia em 2011. O Papa Tawadros também estabeleceu uma plataforma para discutir a situação do país aberta a todos os actores políticos, religiosos e sociais.
Entretanto, a sociedade egípcia está cada vez mais dividida. Tanto os Estados Unidos como a União Europeia, cujos enviados especiais se encontraram recentemente com o presidente deposto, pediram aos apoiantes de Morsi que «engulam a realidade» do seu destronamento, mas os protestos continuaram por Agosto adentro.

O que o Egipto precisa é de estabilidade política e segurança para atrair turistas e investimento e relançar a economia. Os milhares de milhões de dólares que a Arábia Saudita, Qatar e outros países árabes injectaram na economia em Julho não duram muito. E os muçulmanos radicais e moderados têm de voltar à mesa do diálogo para exorcizarem os demónios da guerra civil e retomar a coexistência pacífica milenar.