17 de abril de 2013

BRAÇO-DE-FERRO


Amum, Machar, Kiir  
O Presidente da República do Sudão do Sul surpreendeu o país na segunda à noite ao decretar a redução de poderes do Vice-Presidente num braço-de-ferro político inesperado.

Salva Kiir Mayardit assinou dois decretos republicanos, lidos na TV estatal: o primeiro retirava os poderes administrativos que tinha delegado em Riek Machar Teny. O segundo parava os preparativos para a Jornada de Cura para a Reconciliação Nacional, um projecto liderado pelo Dr Machar e pela mulher que custava mais de oito milhões de dólares e que estava previsto começar em Junho.
Segundo a Constituição Transicional, o Vice-Presidente assume o poder do presidente quando este está fora do país, e participa nos conselhos de ministros e de segurança. Kiir tinha-lhe dado alguns poderes de representação incluindo o discurso na Assembleia Geral da ONU em Novembro passado.
Era evidente que o Vice-presidente estava a usar o exercício de reconciliação nacional como trampolim política para se candidatar à liderança do SPLM, o partido no poder no Sudão do Sul, na próxima Convenção Nacional – que se devia realizar em Maio – e por arrastamento ser o candidato do SPLM à Presidência da República em 2015.
Kiir tinha dado indicações que não se recandidatava num discurso à Assembleia Nacional Legislativa e na última reunião do Bureau Político do SPLM tanto Machar como o secretário-geral Pagan Amum e o Presidente da Assembleia James Wani Igga deixaram claro quer iam disputar a liderança do partido. A bomba estoirou quando Kiir disse que pretendia continuar na presidência por mais um mandato.
A demoção de Machar provocou uma onda de choque por todo o país. Em Wau, a cidade quase parou. O debate na internet tornou-se viral: Kiir é dinka, Machar é nuer –as duas comunidades mais numerosas no Sudão do Sul que mesmo sendo «primas» não se dão bem. Machar também tem um passado político sujo porque por um tempo se aliou ao Governo de Cartum para lutar contra o SPLA de John Garang, massacrando milhares de dinkas em Bor. No ano passado ele pediu perdão pelo massacre.
O braço-de-ferro entre o presidente e o vice-presidente vem trazer alguma confusão política e é possível que Machar abandone o SPLM e funde o próprio partido com base étnica nuer. Há quem diga que chegou a hora de desafiar o partido que se instalou no poder e não tem grande obra para mostrar apesar de controlar o Governo de Juba desde 2005.
Kiir foi um líder à altura durante o período interino que levou ao referendo e à independência, mas tem-se mostrado impotente e distante nos 18 meses de independência. Os ministros que escolheu não estão à altura das obrigações apesar da dança de cadeiras musicais que vão executando. O país está paralisado e os cidadãos suspeitam que os ministros sejam um bando de corruptos que acham que têm direito a serem compensados pelo 21 ano de sacrifícios no mato!

13 de abril de 2013

PARA SEMPRE

© JVieira

Yakob Solomon Shole disse hoje que queria ser Missionário Comboniano para sempre através da profissão perpétua dos votos de castidade, obediência e pobreza.
Yakob nasceu há 28 anos, na Etíopa, e há 11 que vem fazendo a sua formação comboniana. Passou os últimos dois anos na missão de Leer, no Sudão do Sul, na experiência missionária, a fase final da formação depois de ter cursado filosofia em Adis-Ababa e teologia em Nairobi.
Confessou que se sentia ansioso antes da cerimónia da profissão em que três colegas do Sudão do Sul, da Etiópia e da Itália renovaram os votos. Depois veio a excitação através das pessoas que o felicitaram. A missa levou duas horas e a homilia 45 minutos.
Disse que a sua vocação começou na família que tinha uma vivência cristã intensa e onde se falava do sacerdócio. É o mais novo de quatro irmãos: duas raparigas e dois rapazes.
Vê o futuro com grande entusiasmo e esperança apesar das dificuldades que o esperam, mas confia em Deus.
Disse que ser comboniano para sempre significa entregar-se totalmente ao serviço de novos e velhos, sobretudo os mais necessitados - prisioneiros e pobres, trabalhando com a igreja local no contexto de primeira evangelização.
De São Daniel Comboni aprecia a dedicação aos pobres e abandonados e o foco total na mensagem de Jesus, dando-se completamente.
Yakob vai ser ordenado diácono em Leer a 19 de Maio e padre na paróquia natal de São José, em Taza, no vicariato apostólico de Soddu Hosana.
Felicidades, mano!

12 de abril de 2013

EXPULSÃO

A polícia secreta sudanesa expulsou o secretário-geral da conferência episcopal dos bispos católicos em Cartum no mesmo dia em que o presidente sudanês fez a sua primeira visita oficial ao Sudão do Sul independente.
Santino Morokomomo Maurino aterrou em Juba uma hora antes do presidente Omar al Bashir.
Ele contou-me que foi chamado há três dias à sede dos Serviços de Segurança e Espionagem Nacional e que lhe deram três dias para comprar um bilhete de regressar ao Sudão do Sul sem lhe indicarem as razões para a expulsão.
O padre Santino disse que dois irmãos das Escolas Cristãs também foram expulsos do Sudão nestes dias e as ordens para deixar o país podem estar relacionadas. Os dois irmãos, um francês e outro egípcio, viviam no Instituto Católico de Línguas-Cartum, e dedicavam-se a trabalham com crianças da Santa Infância e de rua e estavam sob a mira da secreta, acusados de proselitismo.
O Padre Santino adiantou que as expulsões se inserem num plano de islamização do país depois da independência do Sudão do Sul: «Os cristãos do Sudão encontram-se em grande risco, porque o regime quer apagar todos os vestígios deles no país.»
Questionado sobre a expulsão de pessoal estrangeiro católico, o Presidente Bashir disse que no Sudão como em qualquer país as pessoas têm que respeitar as leis do país.

10 de abril de 2013

PRIMAVERA DE DIÁLOGO


Trinta e um missionários estiveram presentes no Fórum Social Mundial – que se realizou de 26 a 30 de Março no Campus Universitário de Al Manar, em Túnis: 19 combonianos, 10 combonianas e dois leigos e celebraram o Fórum Comboniano nos dias 25, 30 e 31 de Março. E deixaram uma mensagem.

PRIMAVERA DE DIÁLOGO
RUMO À DIGNIDADE DA FAMÍLIA HUMANA

Hóspedes de um povo que está a renascer, a Família comboniana, reunida no Fórum Social Mundial, respirou a primavera árabe e a força dos sonhos deste povo.
Em Túnis despertaram a dignidade e o espírito crítico das mulheres, a potencialidade dos jovens e seu desejo de abrir-se ao mundo. Este lugar de libertação, de uma religião de rosto humano, é própria da Páscoa que celebramos nos dias do Fórum.
A Semana Santa deu um sabor especial à sede de justiça e de paz. Sabor que partilhamos com muitos povos e movimentos sociais. Por outro lado, os desafios mundiais iluminaram, de maneira nova, para nós, o Mistério Pascal celebrado com a pequena Igreja local.
Vivemos dias de respeitosa e atenta escuta do mundo islâmico, provocados pela dimensão intercultural, própria destes encontros que vêem envolvida a sociedade civil mundial.
Pela primeira vez, estivemos presentes no Fórum não só como ouvintes, mas também propondo, como Missionárias e Missionários Combonianos, as nossas actividades e experiências e a nossa mensagem. Sentimo-nos no lugar certo, em diálogo com tantas pessoas, com outros irmãos e irmãs que estão a caminhar na mesma direcção; animadores missionários mergulhados e desafiados pelo pluralismo de ideias e de movimentos.
Feitos voz de nossos povos, dando razão de nossa esperança com a coerência de quem vive ao lado do povo, fomos, no Fórum, entre as poucas testemunhas oculares, dos conflitos dramáticos de vários países da África subsaariana e do mundo árabe.
Percebemos a riqueza do compromisso da Igreja em muitos dos âmbitos de JPIC que nós, também, seguimos. Sentimo-nos confirmados, ainda, pela alegria de descobrir nos outros, a mesma metodologia de Comboni: “Salvar a África com a África”.
Construímos juntos, missionários e missionárias, um Fórum comboniano ao lado das múltiplas actividades do Fórum Social Mundial. Este caminho nos enriquece e nos faz bem. Uma ocasião irrepetível de formação permanente que nos faz acreditar que um mundo melhor é possível.

Areópago de evangelização
Somos homens e mulheres da estrada e do Evangelho. Temos uma grande riqueza: a experiência da vida missionária para partilhar.
Devemos, porém, sistematizá-la, recompor os fragmentos, explicitá-la, reflecti-la mais profundamente. Interrogamo-nos sobre qual deva ser a missão hoje, sabendo que nos compete também propor uma teologia e uma espiritualidade encarnadas, alimentadas pela escuta da Palavra, em caminho com o Cristo verdadeiro libertador da história, recuperando a mística dos povos aos quais pertencemos e servimos, em diálogo com o património espiritual das populações autóctones e das grandes tradições religiosas do mundo.
A força da nossa fé e identidade está mais na inclusão e na escuta, do que nas definições de fronteiras e diferenças. Acolhemos o desafio de abrir-nos ao mundo e de rejeitar todo o tipo de preconceitos.
Comprometer-nos juntos como Família comboniana não é o objectivo, mas a condição inicial e necessária para ser missionário hoje.
Percebemos a necessidade de que haja mais espaço para os leigos missionários e para as pessoas com quem vivemos e trabalhamos, em redes cada vez mais ricas e competentes para respondermos aos desafios complexos do mundo hodierno: o protagonismo é deles, e nós, junto com eles, somos sal e fermento para amassar uma nova história; pedras escondidas como nos ensina Comboni.

Continuando o caminho
Relendo as experiências missionárias e pastorais, encontramo-nos em plena sintonia com alguns dos percursos que congregam as nossas actividades locais e provinciais. Renovamos o nosso compromisso ao serviço de três prioridades comuns:
·           O tráfico de pessoas e a mobilidade humana.
·           O cuidado da Criação, especialmente lutando contra o açambarcamento (grilagem) de terras e a pilhagem dos bens comuns.
·           O dialogo inter-religioso e intercultural.
Nestes âmbitos, que unem as nossas opções pela Justiça, Paz e Integridade da Criação (JPIC), alguns de nós já estamos a construir pontes entre as províncias e a colaborar entre combonianos e combonianas. Não podemos ter a pretensão de tudo saber e fazer. É necessário que nos qualifiquemos e especializemos sobre os temas que consideramos como mais urgentes; em sintonia com o nosso carisma missionário.
Renovamos, assim, a metodologia de articulação temática entre comunidades e províncias que se sentem desafiadas por situações parecidas, como já acontece, por exemplo, no caso do grupo de trabalho sobre pastoralistas na África do Leste, ou do compromisso comum entre o Brasil, Moçambique e Peru sobre o impacto da exploração mineira.
Saímos de Túnis com a Páscoa dos povos no coração, com a alegria de partilhar com as nossas comunidades e províncias aquilo que vimos e ouvimos.
Sentimos, claramente, que o encontro comboniano, durante o Fórum Social Mundial, é uma oportunidade para, como missionários, evangelizar e para sermos evangelizados.
Como Família comboniana, sentimos a necessidade de manter uma comissão de referência permanente, para garantir e facilitar a continuidade deste processo.
Rezando junto ao túmulo dos primeiros mártires cristãos destas terras, renovamos, com eles, a coragem de viver com coerência a nossa fé e de entregar totalmente a nossa vida, para que todos tenham vida em plenitude.

9 de abril de 2013

PETRÓLEO

 © Lomayat
O petróleo volta a jorrar das entranhas do Sudão do Sul depois de 16 meses de alta tensão entre Juba e Cartum com as duas economias a sofrer fortemente pela falta do dinheiro da venda do ouro negro.
Stephen Dhieu Dau, o ministro do petróleo do Sudão do Sul, no sábado, 6 de Abril, carregou no botão que reiniciou a produção de crude em 24 poços no campo de Thar Jath, no estado de Unity.
Em Janeiro de 2012, o Governo do Sudão do Sul suspendeu a exportação de crude porque não chegava a acordo com o Governo do Sudão sobre as tarifas a pagar pelo uso da infraestrutura sudanesa para exportar o crude: o oleoduto e o porto de Port Sudan. O fechar das torneiras provocou uma crise económica profunda e os dois países estiveram à beira da guerra.
Thar Jath vai produzir cerca de dez mil barris diários e o crude deve chegar ao mercado internacional via Port Sudan em Maio. O ministro Dhieu disse que o primeiro dinheiro da venda do petróleo deve entrar em Julho nos cofres do Estado.
Os campos de Robkona e Pariang, também em Unity, devem reiniciar a produção dentro de dias enquanto os de Fauloj em Upper Nile estão mais atrasados porque a infraestrutura necessita de reparações urgentes para evitar derrames.
O reinício da produção de petróleo marca uma nova etapa nas relações entre o Sudão do Sul e o Sudão e injeta dinheiro fresco para as duas economias que lutavam com a falta de liquidez: a inflação em Cartum ronda os 50 por cento e em Juba o Governo não tem dinheiro para pagar à função pública, provocando a insegurança na capital e por todo o país com uma onda de roubos violentos.
Com o reinício da produção de crude o Governo do Sudão do Sul pode abandonar o orçamento de austeridade que estava a asfixiar a economia do país e usar o dinheiro para investir nas estradas, escolas, sistema de saúde, indústria e agricultura para relançar a economia e permitir aos cidadãos finalmente usufruir dos dividendos da independência.
Entretanto, o ministro Dhieu anunciou que os estudos para a construção de novos oleodutos entre os poços do Sudão do Sul e/ou os portos de Lamu, no Quénia, e Djibuti, via Etiópia, deviam estar prontos em Julho para os trabalhos começarem em Outubro. A saga do novo oleoduto tornou-se num sem fim de começos falhados como a construção de refinarias no país. Em seis anos foram anunciadas pelo menos uma meia dúzia de alternativas para a refinação de crude, mas o país continua dependente dos combustíveis vendidos pelo Quénia.

2 de abril de 2013

NOVO COMEÇO


Cerca de meio século depois das independências, os bispos de África dizem que chegou a hora de um novo começo.

O toque a recomeçar foi dado pelo arcebispo de Dar Es Salam, Tanzânia, cardeal Polycarp Pengo, numa carta pastoral que assinou em nome do Simpósio das Conferências Episcopais da África (SCECAM) – a que preside – em Fevereiro.
O documento, titulado «Governação, bem comum e transições democráticas em África», é «uma contribuição da Igreja para a promoção da boa governação e das transições democráticas em África», uma extensa carta de 59 parágrafos fruto das preocupações do episcopado, tendo como destinatários preferenciais os dirigentes políticos.
A carta pastoral celebra os progressos alcançados na área da estabilidade política, mudança democrática, fim dos partidos únicos e melhoria económica que alguns países registam enquanto lamenta a violência sem fim, a corrupção, o desemprego e a situação da mulher, sinalizando o fosso cada vez maior entre uma maioria crescente em pobreza extrema e uns poucos muito ricos. Os bispos acusam multinacionais estrangeiras de continuarem a pilhar os recursos do continente com a cumplicidade de alguns líderes.
Os bispos africanos apelam a um diálogo entre os governos e as comunidades locais e pedem à sociedade civil que seja mais interveniente, sublinhando que a boa governação é técnica mas também ética, através do respeito pelo bem comum que devia levar os dirigentes africanos a «desenvolverem uma visão que possa mobilizar a África, orgulhosa da sua própria soberania e decididamente virada para a sua unidade».
As organizações da sociedade civil são apresentadas como «voz alternativa» ao serviço da boa governação, respeito pelo bem comum e pelas transições democráticas, vigias do respeito pelos direitos humanos e da gestão dos recursos humanos e naturais.
Finalmente, os bispos africanos pedem aos dirigentes políticos que façam da erradicação da pobreza a bandeira dos seus governos utilizando as riquezas naturais do continente para o desenvolvimento em benefício de todos e através da luta contra a corrupção, «o cancro que destrói as nações»; sugerindo-lhes que construam a unidade africana através «de um processo de integração política que assegure o desenvolvimento social do continente e que conduza à promoção da democracia e dos direitos humanos».
Os bispos reforçam a ideia de que a Igreja deve continuar a ser a voz dos sem voz pela opção pelos mais pobres e por uma missão evangelizadora mais eficaz que leve os cristãos a defenderem a boa governação.
Um documento robusto, corajoso e profético que lança alertas mas também aponta caminhos, embora necessite de uma carta gémea sobre boa governação e transparência dentro da própria Igreja africana.