30 de dezembro de 2007

NATAL


O Natal deste ano foi uma longa celebração.
No dia 24, depois do jantar – um jantar normal – as duas comunidades reunimo-nos na capela para uma hora de oração com alguns amigos. Um momento tranquilo. Fomos guiados por um «powerpoint» que preparei com a Ir. Cecília, a directora da rádio. Acolhemos Jesus, recordámos outros natais em latitudes diferentes, rezamos pelas nossas famílias, pelo Sul do Sudão, pela paz.
Depois da oração, fizemos uma ceia de Natal na casa das irmãs. A Ir. Sandra fez um bolo – é uma óptima doceira –, a Ir. Domenica fez torrão de umas sementes locais, a Ir. Cecilia preparou «piña colada», as outras irmãs prepararam diferentes acepipes. A ceia foi um espaço de convívio e fraternidade. Houve também troca de presentes. O Menino Jesus foi bom para comigo: trouxe-me uma garrafa de tinto alentejano (Vinha do Monte). Como é que ele sabe que eu gosto da «pomada» alentejana?
Depois da ceia fomos à Missa do Galo: à paróquia ou à Sé. Eu fui à Sé com dois irmãos e desfrutei daquela hora e meia de oração comunitária, a meia-luz. Senti-me mesmo bem. Respirava uma serenidade e uma paz indizíveis.
De regresso a casa, encontrámos as ruas de Juba cheias de gente nova, vestidos para a festa, a passear na escuridão. Um fenómeno que também se repete na Páscoa. As as motorizadas a zumbir por todo o lado! Com pequenos choques de permeio.
No dia 25, a Ir. Cecília e eu fomos convidados a participar na festa de Natal da Selma – uma algarvia – e do Marc (australiano). Fomos depois do trabalho – porque a Rádio Bakhita não fecha!!! – e conhecemos gente interessante que trabalha para a ONU ou com ONG.
No dia seguinte, Skye – a correspondente da Reuters – convidou-nos para panquecas. Uma hora bem passada a conversar com novos amigos.
No dia 28 o pessoal da arquidiocese de Juba juntou-se com o arcebispo para o piquenique do Natal.
O sítio – Rejaf – é encantador: um bosque de mangueiras junto ao Nilo Branco.
O piquenique foi uma mistura de convívio, discursos, jogos, almoço…
O arcebispo Paolino Lukudu Loro disse que gostava que o pessoal da arquidiocese se sentisse feliz. Também revelou que o processo de paz que o Sul do Sudão está a viver é um desafio grande para a Igreja: alguns padres, irmãos e irmãs abandonaram o apostolado para trabalharem para o Governo ou organismos humanitários.
No fim do piquenique fez-se a geminação de comunidades – a comunidade gémea dos combonianos é um padre americano Maryknoll que vive do outro lado da rua e que celebra a missa e toma o pequeno almoço connosco – e foram eleitos os amigos do ano. A minha amiga chama-se Ir. Georgina Nyayath e pertence a uma congregação local.
Ah! Descobri que é seguro nadar no Nilo em Rejaf. Um padre que trabalhou na paróquia, disse-me que costumava nadar lá, que os crocodilos não chegam àquela parte. Já tenho onde passar as manhãs de sexta-feira, o meu dia de folga.
Rejaf – uma missão construída pelos combonianos nos anos trinta – fica a 14 quilómetros de Juba na outra margem do Nilo Branco.

25 de dezembro de 2007

EU, MENINA... E ELE

© JVieira

Eu, menina, sentado na calçada sob um sol envergonhado, observava a movimentação das pessoas em volta e tentava compreender o que ocorria.
– Que é o Natal? – indagava-me, em silêncio.
Eu, menina, ouvira falar que aquele era o dia em que o Menino Jesus, vinha deixar-nos as prendas... mas como poderia uma criança acabada de nascerfazer isso?
Perguntava-me eu em silêncio... e pensei que nessa noite não iria dormir. Ficaria ali ao relento esperando o Menino Jesus... e os meus presentes...
Até o podia ajudar! Como conseguiria Ele com tantos presentes, sim porque os miúdos são uns chatinhos, a pedir tanta coisa...
E eu, menina, concluía que não deveria ser isso o Natal.
Talvez fosse um dia especial, em que as pessoas abraçassem seus familiares e fossem mais cordiais umas com as outras. Talvez fosse o dia da fraternidade e do perdão.
– Mas, então por quê eu, aqui sentada, não recebo sequer um sorriso, e as pessoas correm apressadas de um lado para o outro, cheias de sacos e saquinhos, embrulhos e embrulhinhos – inquiria-me, perplexa.
– E por que trabalha a polícia no Natal?
E eu, menina, entendia que não devia ser assim...
Imaginava que talvez o Natal fosse um dia mágico em que as pessoas enchiam as igrejas em busca de Deus.
– Então, porque não saem de lá melhores do que entraram? – debatia-me, na ânsia de compreender aquela ocasião enigmática.
Via risos, mas eram gargalhadas que escondiam tanta tristeza e ódio, tanta amargura e sofrimento...
E eu, menina, mergulhada em tão profundas reflexões, vi aproximar-se um homem. Era um belo homem. Não era gordo nem magro, tão alto quanto baixo, nem branco nem preto, nem pardo, amarelo ou vermelho.
Era apenas um homem com olhos cor de ternura e um sorriso em forma de carinho que, numa voz com tom de afago, saudou-me:
– Olá, menina!
– Olá! – respondi, meio tímida. Achava impossível que alguém conseguisse ver-me ali, no meio da correria em que andavam...
E, num quase êxtase de admiração, vi-o acomodar-se a meu lado, na calçada, sob o sol envergonhado.
Eu, menina, na naturalidade de menina, aceitei-o como amigo num olhar. E atirei-lhe a pergunta que me inquietava e entristecia:
– O que é o Natal?
Ele, sorrindo ainda mais, respondeu-me, sereno:
– É o meu aniversário!
– O que dizes? O teu Aniversário? Então e o que andas por aqui a fazer? Porque não estás em casa onde estão os teus familiares?
– Essa – falou-me, apontando a multidão que corria – é a minha família.
Eu, menina, não compreendi.
– Também tu fazes parte da minha família... – acrescentou, aumentando a confusão.
– Não te conheço! – rebati.
– É por que nunca te falaram de mim. Mas eu conheço-te. E amo-te...
Estremeciam-me de emoção aquelas palavras, na minha fragilidade de menina.
– Deves estar triste! – comentei. – Estás só no dia do teu aniversário...
– Neste momento estou contigo! – respondeu-me, meneando a cabeça negativamente.
E conversamos. Uma conversa de poucas palavras, muito silêncio, muitos olhares e um inefável transbordar de sentimentos, naquela prece que fazia arder o coração e a própria alma.
O sol entregou o céu às estrelas.
E conversamos. Eu, menina, e Ele.
E Ele falava-me, e eu amava-o. E eu absorvia-o. E eu sentia-o.
Eu, menina: cordas. Ele: artista. E fez-se a melodia entre nós!...
E eu, menina, sorri...
Quando a noite cedeu vez à madrugada, enquanto piscavam as luzes que adornavam as casas, Ele ergueu-se e pressenti que era a despedida. Suspirava, de alma renovada.
Abracei-o pela cintura, dizendo:
– Toma o meu presente... Feliz aniversário!
Ergueu-me no ar, com seus braços fortes-fracos, tão fortes quanto a paz, e disse-me:
– Presenteia-me compartilhando este abraço com a minha família, que também é tua... Ama-os com respeito. Respeita-os com ternura. Sê terno com carinho. Acaricia-os com justeza. Julga-os com amor... E tem um feliz Natal!
Porque não quisesse vê-lo ir-se embora, saí a correr pela rua. Abandonei-o, levando-o para sempre no mais íntimo do coração. Fui em busca de braços que aceitassem os meus...
E eu, menina, nunca mais o vi. Mas aquele Amigo da noite de Natal: Jesus... ficou sempre o MEU AMIGO!
E eu, menina, sorri...

24 de dezembro de 2007

BOAS FESTAS

Moses Wanjiuki © JVieira

Esta é a voz do meu amado; ei-lo aí, que já vem.
O meu amado fala e me diz: «Levanta-te, meu amor, e vem. O tempo de cantar chega. Levanta-te, meu amor, e vem. Mostra-me a tua face, faz-me ouvir a tua voz, porque a tua voz é doce, e a tua face graciosa.»
Cântico dos Cânticos, 2, 8. 10. 12b. 13-14)

Neste Natal Jesus convida-te a ires até Ele, porque és @ seu/sua amad@. Aceita o desafio e vai! Acolhe-o e ama-o no teu próximo!
Feliz Natal cheio da ternura de Deus-Menino.

22 de dezembro de 2007

SUL DO SUDÃO EM NÚMEROS

Os resultados de um levantamento-piloto de 100 famílias do Sul do Sudão – dez agregados por estado – apresentam uma imagem chocante da saúde na região.
102 crianças morrem em cada 1000 partos.
13,5 por cento das crianças do Sul do Sudão morrem antes de chagarem aos cinco anos.
2,7 por cento das crianças estão totalmente imunizadas através de vacinas.
32,98 por cento da população sofre de mal nutrição.
2054 mulheres morrem em cada 100 mil partos, a taxa de mortalidade maternal mais elevada do mundo.
Em média cada família está a cerca de 45 minutos de um ponto de água.
13,1 por cento da população tem acesso a água tratada.
16 por cento das crianças frequentam a escola primária e 1,9 por cento completam-na.
16,7 por cento das mulheres casam antes dos 15 anos e 40,7 por cento antes dos 18.
42,4 por centos dos homens são polígamos.

ANGEL CORAZÓN

© JVieira

The Angel of the Lord was sent to me!
She does not have wings
but her heart flies
and makes mine fly too
with her inspiration and radiance
in a hug of wonderment and belonging.
I called my Angel Corazón.
I was living aloft
and God sent Corazón
to pull me down
with the gravity of her pro–vocations
and the weight of her suffered wisdom.
We built our holy ground
by the mighty river
and there we share our lives
over a beer.
We have walked hand in hand,
heart in heart,
the path of disclosure and acceptance,
of vulnerability.
My Angel awakened my tenderness,
rekindled my endearment and attention,
warmed up my heart,
brought me peace and self-acceptance.
My Corazón made me present
and available
and I became an Angel too.
I love Corazón,
my guardian Angel and my Sister.
Yet, my Angel is not mine.
She has other hearts to tender
and I am thankful for that too.
Angel Corazón,

Amorcito,
is God’s blessing
and his loving gift.
Shukran!
Cheers, Great Mate!
Cheers, Compañera.


Bishoftu - Ethiopia, December 14, 2007
Tahesas 4, 2000 ALH

LEITURAS

JESUS DE NAZARÉ

Bento XVI apresenta no primeiro volume «Jesus de Nazaré» a sua «busca pessoal pelo rosto do Senhor.»
O Papa escreve que Jesus é importante porque trouxe Deus.
Pegando nas narrativas evangélicas e cruzando-as com outros textos bíblicos através do método de exegese canónica, Bento XVI aborda alguns temas fundamentais da vida de Jesus: baptismo, tentações, Evangelho do Reino de Deus, Sermão da Montanha, o Pai-nosso, discípulos, a mensagem das parábolas, as imagens principais do Evangelho de João, a confissão de Pedro e a transfiguração e finalmente, a identidade de Jesus.
O livro cruza textos, debate opiniões, explora questões relevantes de outros saberes sobre o mistério de Jesus.
Apesar de ser de leitura algo difícil – não é fácil a um teólogo abordar questões de técnicas exegese – a obra é uma reflexão preciosa sobre o Jesus histórico.

Aguarda-se agora o segundo volume que, entre outros assuntos, promete abordar as narrativas da infância de Jesus.

19 de dezembro de 2007

ETIÓPIA

Missa em rito etíope © JVieira

Os 12 dias que passei na Etiópia foram de uma bênção. Revi amigos, revisitei lugares que me dizem muito, descansei, rezei e regressei retemperado.
A primeira impressão ao chegar a Adis Abeba é que a cidade se tornou num enorme estaleiro tantas são as obras de vulto em construção: edifícios, bairros sociais, fábricas, ruas… Uma diferença abissal da realidade que encontrei em 1993. Nessa altura, a capital da Etiópia era uma cidade decrépita feita de zinco enferrujado e com as ruas todas esburacadas.
E o serviço público também melhorou muito. Antes para renovar a carta de condução etíope precisava de uma manhã de guiché em guiché. Era sempre um problema encontrar a pasta com os meus documentos, porque não é fácil transcrever nomes estrangeiros em caracteres amáricos. Agora está tudo informatizado e em meia hora tinha o documento renovado de novo na mão!
O retiro foi uma experiência rica. Durante uma semana os 13 participantes convivemos com os textos de Isaac de Nínive, um monge do século VII.
O tema do retiro foi a luta que cada um de nós trava para viver a vocação cristã e nos transformarmos em epifania do Amor de Deus para quem connosco convive.
A frase que mais me marcou foi a definição de contemplação: não é êxtase mas «instasys», uma jornada ao mais profundo de nós mesmos – onde Deus habita – e não fora de nós. Uma intuiçaõ interessante.
O local do retiro – Galilee Centre – é um lugar especial junto ao lago Babu Gaya, cheio de flores e pássaros exóticos. Aí fez muitos retiros, encontros profundos com a minha realidade pessoal e com outras pessoas – que recordei!
Em Babu Gaya, assisti a um fenómeno curioso: uma manhã muitos peixes nadavam à tona da água de barriga para cima. Foi a bênção para os pescadores de ocasião: apanhavam «tellapia» à mão cheia.
Pensei que alguém detonou alguma carga explosiva no lago para atordoar os peixes. Mas um vizinho explicou que uma vez por ano os peixes vêm à tona por causa do frio!
Uma explicação que não satisfez os meus colegas de natação. Nessa tarde nadei sozinho, porque os três padres e a irmã que me acompanhavam ao banho diário, recearam que tivessem posto algum produto no lago para apanhar os peixes.
O retiro foi também um contacto novo com a tradição litúrgica ortodoxa. No Sul do país – onde trabalhei como missionário durante quase oito anos – usamos a liturgia latina traduzida na língua local. A missa (dia sim dia não) e a oração da tarde eram celebradas no rito etíope em inglês. Uma linguagem bem diferente, colorida e cheia de incenso e de pedidos de perdão pelos pecados.
Como não há desertos sem oásis, duas noites fui beber uma cerveja com uma missionária e um missionário meus amigos. A minha estada era curta e foi a única maneira de celebrarmos a amizade e trocarmos informação sobre o que temos feito.
Em Adis Abeba, participei na festa de 60 anos de vida missionária da Ir. Bona, uma comboniana italiana que se repartiu pelo Líbano, Israel e o povo sidama da Etiópia. Uma mulher cheia de energia – apesar dos 87 anos – e com um sorriso acolhedor.
Ah! Para quem está habituado ao calor e ao pó, na Etiópia fazia bastante frio em Dezembro. Quando cheguei ao aeroporto, às oito da noite, as pessoas vestidas com casacões pesados ficavam a olhar para mim intrigadas porque vinha com uma T-shirt fina e chinelos. Mas não sentia o frio, porque o corpo ainda estava cheio do calor de Juba.
Contudo, a primeira coisa que fiz quando cheguei a Galilee Centre foi ir ao mercado local comprar uma camisola. Como a língua da área pertence à família oromo, desenrasquei-me com o guji que ainda recordo. As pessoas achavam castiço um estrangeiro falar oromo e não saber palavra de amarico – a língua comum na Etiópia.
Agora estou de volta a Juba. Mais descansado e recauchutado para continuar a enfrentar os desafios que o projecto da rádio nos continua a colocar – sobretudo a fidelização dos jornalistas que trabalham comigo!
Mas é mesmo bom estar de volta a casa!

5 de dezembro de 2007

ATÉ JÁ


Lago Babu Gaya Debre Zeit Etiópia © JVieira

Durante os próximos 12 dias estou no lago Babo Gaya (o ancião do cachibo), na Etiópia, em retiro. Retomarei as postagens logo que regressar a Juba. Obrigado pela visita. Também rezo por si!

AMOR | DOR

Também o « sim » ao amor é fonte de sofrimento, porque o amor exige sempre expropriações do meu eu, nas quais me deixo podar e ferir. O amor não pode de modo algum existir sem esta renúncia mesmo dolorosa a mim mesmo, senão torna-se puro egoísmo, anulando-se deste modo a si próprio enquanto tal.
Bento XVI em «Spe Salvi», Nº 38

2 de dezembro de 2007

AMOR

Não é a ciência que redime o homem. O homem é redimido pelo amor. Isto vale já no âmbito deste mundo. Quando alguém experimenta na sua vida um grande amor, conhece um momento de «redenção» que dá um sentido novo à sua vida. Mas, rapidamente se dará conta também de que o amor que lhe foi dado não resolve, por si só, o problema da sua vida. É um amor que permanece frágil. Pode ser destruído pela morte. O ser humano necessita do amor incondicionado. Precisa daquela certeza que o faz exclamar: «Nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem o presente, nem o futuro, nem as potestades, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor» (Rom 8,38-39). Se existe este amor absoluto com a sua certeza absoluta, então – e somente então – o homem está «redimido», independentemente do que lhe possa acontecer naquela circunstância. É isto o que se entende, quando afirmamos: Jesus Cristo «redimiu-nos». Através d'Ele tornamo-nos seguros de Deus – de um Deus que não constitui uma remota «causa primeira» do mundo, porque o seu Filho unigénito fez-Se homem e d'Ele pode cada um dizer: «Vivo na fé do Filho de Deus, que me amou e Se entregou a Si mesmo por mim» (Gal 2,20).
Bento XVI em «Spe Salvi», nº 26