30 de junho de 2006

Américas

O INSUSTENTÁVEL PESO DA POBREZA

Dos cerca de 550 milhões de sul-americanos, 220 milhões são pobres e uns 100 milhões sobrevivem com menos de 80 cêntimos por dia.

A América, com 42 milhões de quilómetros quadrados e quase 900 milhões de habitantes, é o segundo continente em termos de área e de população e o primeiro em peso económico, geopolítico e religioso. Foi buscar o nome a Américo Vespúcio (1454-1512), navegador florentino que serviu as coroas de Espanha e Portugal na exploração marítima do Novo Mundo. A divisão norte (Canadá e Estados Unidos) – sul (os restantes países) é geográfica, mas também política, económica e cultural. Os países do Norte, anglófonos – com excepção da província canadiana do Quebeque, que preserva o francês como língua de referência –, trataram o Sul, que fala espanhol e português, como reserva económica estratégica.
As grandes multinacionais, da banana, da soja, da criação de gado, ocuparam sempre enormes extensões da América Latina, em prejuízo da população local, das florestas e da biodiversidade da região. O Sul do continente é usado como linha de montagem de larga escala para as indústrias norte-americanas. A indústria farmacêutica e o negócio da biogenética têm tentando por sua vez apropriar-se dos segredos medicinais dos povos indígenas, através de um sistema de patentização de espécies com valor comercial.
Durante a Guerra Fria, os Estados Unidos impunham os dirigentes – frequentemente incompetentes autocratas militares – da maioria dos países do Sul do continente. Com a queda do Muro de Berlim, abateu também o intervencionismo norte-americano, a democracia alastrou e foi-se consolidando, processo que desencadeou um fenómeno político interessante: enquanto o Canadá e os EUA viraram à direita, o eleitorado dos países latinos tem vindo a escolher partidos da esquerda para os governar. A luta contra o terrorismo passou a ser a prioridade dos Estados Unidos e a parceria especial com a América Latina – que George W. Bush anunciou no início do seu mandato – foi relegada para segundo plano. Consequentemente, a criação de uma zona de comércio livre à escala do continente vai perdendo peso, a favor de parcerias regionais mais favoráveis às economias mais pobres.
A democracia, ainda que assuma formas variadas e mais ou menos (im)perfeitas, existe, mas o Sul do continente continua a ser flagelado pela pobreza e pelas grandes desigualdades, consequência do neoliberalismo. Um terço da sua população (mais de 150 milhões de pessoas) vive em bairros-de-lata sem as mínimas condições, autênticos viveiros de pobreza e violência. Dos cerca de 550 milhões de sul-americanos, 220 milhões são pobres e uns 100 milhões sobrevivem com menos de 80 cêntimos por dia. Não é de estranhar que muitos optem por arriscar tudo – mesmo a vida – para tentarem assegurar a sobrevivência nas abastadas sociedades do Norte. Que fazem tudo para os deter: o Canadá pôs-se a expulsar imigrantes e os EUA projectam um muro de três mil quilómetros para fortificarem a sua fronteira.
A nível eclesial, as Américas têm uma grande importância. A maioria dos católicos vive lá e a Igreja, especialmente a latino-americana, foi palco de experiências pastorais inovadoras, como as comunidades eclesiais de base e a inculturação teológica. Em Maio de 2007, vai realizar-se a 5.ª Conferência Geral do Episcopado da América Latina e Caraíbas no Santuário da Aparecida, no Brasil. Será uma oportunidade para reflectir sobre a realidade e o futuro da Igreja latino-americana numa altura em que os seus países se tornam cada vez mais conscientes da identidade histórica e da dignidade nacional. E, também, do insustentável peso da pobreza.

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